Neste estudo, Abdul Qadr nos fala sobre a visão do Islã Sunita Tradicional em relação a finanças.
Sadaqa, Zakat, bom uso da riqueza, Rizq, investimentos e muitos outros tópicos financeiros foram citados neste estudo.
HISTÓRIA DO ISLAM E DO PROFETA MUHAMMAD (saas)
O Profeta Muhammad (saas) nasceu em 570 dc, na cidade de Meca, na Península Arábica, parte da atual Arábia Saudita. Seu pai, Abdullah Ibn Abdul Muttalib, do clã Banu Hashim da tribo Quraysh, morreu logo após o casamento. Sua mãe, Aminah Bint Wahb, pouco tempo após o seu nascimento, enviou-o para o deserto para ser alimentado por uma ama de leite (costume da época, os árabes achavam que o deserto era salutar para o corpo e imunidade do bebê).
Aos 3 anos voltou a viver com sua mãe, foi feliz ao lado dela por três anos. Quando ele fez 6 anos, ela faleceu, ficando ele sob os cuidados de seu avô, Abdul Muttalib. Dois anos depois também seu avô faleceu, e Muhammad (saas), ficou desta vez sob os cuidados de seu tio, Abū Talib.
Aos nove anos, fez uma viagem pelo deserto acompanhando seu tio, durante a qual foi reconhecido por um monge cristão como o Profeta aguardado, que afirmou isso segundo um manuscrito antigo que passava de geração em geração de monges que ali viviam, e aos prodígios que ocorreram na ocasião.
Contam que foi um excelente arqueiro na adolescência e já começou a ser conhecido como uma pessoa extremamente confiável e honesta.
Após seus 20 anos, passou a receber mais convites de seus parentes para acompanhá-los em viagens a outros países, e gradualmente sua situação material melhorou, tornando um matrimônio possível. Nessa ocasião, ele se interessou por uma jovem, mas ela havia sido prometida a outro antes dele, e o casamento não se concretizou.
Os anos passaram e Muhammad (saas) foi contratado por Khadija, uma rica comerciante de Meca, já viúva duas vezes, para levar suas mercadorias à Síria – Muhammad (saas), então, nesta época já era conhecido com os nomes de al-Amin, “O Justo”, “o Honesto”, “o Digno de Confiança”, por sua reputação ilibada.
Khadija ofereceu a ele casamento, e Muhammad (saas) aceitou. Ela tinha então 40 anos, e ele 25. Khadija não era só uma esposa, mas também uma amiga. Compartilhava de seus ideais e aspirações. Sua união foi abençoada e feliz. Khadija deu a ele seis filhos, dois meninos e quatro meninas. Qasim e Abdullah faleceram em tenra idade. Zainab, Ruqayya, Umm Kulthum e Fátima são os nomes de suas filhas.
Quando o Profeta Muhammad (saas) tinha 35 anos, os Quraysh [tribo da qual pertencia Muhammad (saas) e que após o início da revelação do Alcorão se opuseram fortemente a ele] decidiram reconstruir a Kaaba, pois seus muros estavam muito baixos e erodidos, o que facilitou ela de ser assaltada certa vez. Na reconstrução, um primeiro homem retirou uma pedra do topo de um dos muros, mas assim que levantou a pedra, ela lhe escapou das mãos e retornou ao seu lugar sozinha. Os que presenciaram o fato, afastaram-se assustados. O chefe do clã Makhzum pegou o enxadão e disse: “O Deus, não nos atemorize, só queremos fazer algo de bom”, e fez cair as paredes. Então, descobriram no solo grandes pedras arredondadas esverdeadas, parecidas com corcovas de camelos, grudadas umas nas outras. Quando se tentou separá-las, a terra tremeu por toda Meca, o que foi entendido como um sinal de que não se devia tocar nas fundações, feitas pelo Profeta Abrãao (as) e seu primogênito Ismail. Havia ainda uma Pedra Negra, orientada para o sudeste, e lá encontraram inscrições em dialeto aramaico, que dizia: “Eu sou o Deus, o Senhor de Meca. Eu criei esta pedra no mesmo dia em que criei os céus e a terra, no dia em que Eu formei o sol e a lua, e ao redor dispus sete anjos. Ela subsistirá enquanto restem erguidas duas colunas, e será uma fonte abençoada de leite e água para seu povo”.
O trabalho de reconstrução continuou, e quando chegou o momento de voltar a Pedra Negra para seu lugar original, surgiu uma discussão entre os clãs, pois cada um reivindicava a honra de erguê-la em seu lugar. Discutiram por 4 ou 5 dias, sem ninguém ceder. Surgiu, então, uma proposta: o primeiro homem que adentrasse no local onde estava a Pedra Negra em Kaaba, arbitraria o litígio. E esse homem foi Muhammad (saas), que acabava de voltar a Meca, de uma viagem. Sobre a questão, ele (saas) disse: “Que cada clã pegue nas mãos uma borda do manto, e todos elevem juntos a Pedra.” Ele pediu um manto, o estendeu sobre a terra, tomou a Pedra Negra e pousou-a no centro do manto. Quando ela foi erguida na altura certa, ele a apanhou com as próprias mãos e encaixou-a no ângulo do muro. No Alcorão há várias passagens sobre Kaaba, como, por exemplo, as seguintes: (02:124-129), (05:97), (48:24-25).
Cada vez mais Muhammad (saas) era conhecido por Al-Amin (o confiável), pois muitos eram os escravos que deviam sua liberdade à Muhammad (saas), e muitos eram as viúvas e órfãos que eram ajudados por ele. Sempre que as injustiças que seu povo sofria apertavam o coração do Profeta, Muhammad (saas) retirava-se para a solidão de uma caverna no Monte Hira, que é fora de Meca. Lá Muhammad (saas) ficava sozinho contemplando a Allah (swt). Estes momentos se repetiram várias vezes, e a solidão se tornou uma paixão para ele. Todos os anos ele se retirava para uma caverna durante todo o mês do Ramadan, para meditar.
Foi em uma dessas ocasiões, quando ele tinha quarenta anos de idade, que Muhammad (saas) começou a receber a revelação de Allah (swt), chamada de Sagrado Alcorão. Numa noite, enquanto estava mergulhado dentro de si mesmo, no ano de 610 dc, Gabriel, anjo Jibril (as), aparece diante dele e o ordena “Leia!”. Ele respondeu: “Mas, não sei ler!”. Então o anjo Gabriel o abraçou fortemente e revelou a ele as primeiras linhas do capítulo 96 do Alcorão: “Leia: Em nome do seu Senhor, (1) Que criou o homem a partir de um coágulo. (2) Leia: E o seu Senhor é o Mais Generoso, (3) Que ensinou pela caneta, (4) Ensinou ao homem o que ele não conhecia”. [Bukhari 4.953]. Alarmado com a experiência, Muhammad (saas) correu para sua casa em busca de descanso e consolo, com a mente ainda perturbada com o ocorrido. Sob os cuidados de Khadijah, ele se acalmou e recobrou o conforto. Passado uns dias, depois de se recuperar, ele buscou a solidão das colinas para acalmar sua angústia remanescente, quando o Anjo Jibril (as) apareceu novamente e o relembrou de seu dever para com a humanidade. Assustado, ele correu de volta para sua casa e pediu a Khadijah para envolvê-lo em roupas quentes. Ela fez o possível para tranquilizá-lo, dizendo que sua conduta ao longo da vida havia sido tal que Allah (swt) não permitiria que nenhum mal viesse até ele.
Mais tarde, ela consultou seu parente, Waraqah ibn Nawfal, um homem idoso, que conhecia os Livros Sagrados anteriores. Ele afirmou que, o que Muhammad (saas) falava, mostrava que ele havia sido escolhido como um Profeta de Allah (swt). Só de pensar em ser escolhido, entre toda a humanidade, para tal missão, isso perturbou profundamente a mente humilde e devota de Muhammad (saas). Khadijah foi a primeira pessoa a aceitar a verdade de sua missão, e depois, comunicou sua experiência a seu primo Ali, seu filho adotivo Zayd e seu amigo íntimo Abū Bakr. Como os três conheciam muito bem Muhammad (saas), sabiam de seu caráter ilibado e que ele nunca mentiria, aceitaram sua missão e se tornaram muçulmanos.
O Profeta (saas) começou difundindo o Islam secretamente, primeiro entre seus amigos íntimos, depois entre os membros de sua própria tribo e, posteriormente, publicamente na cidade e nos subúrbios. Sozinho, ele proclamou a glória de Allah (saas), denunciou publicamente a idolatria de seu povo e seus maus caminhos, e os chamou para adorarem somente a Allah (swt). A tribo Quraysh era a guardiã de Kaaba, o lugar sagrado para o qual todos os árabes faziam peregrinação. Isso lhes garantia grande prestígio e lucro para a cidade de Meca. Eles ficaram, portanto, seriamente alarmados e se tornaram ativamente hostis a Muhammad (saas), que agora pregava publicamente contra a adoração dos ídolos na Kaaba, que ocupava o primeiro lugar entre os peregrinos. Durante a temporada de peregrinação, homens foram postados em todas as estradas para alertar as tribos que chegavam em Meca contra o louco que pregava contra seus deuses. Os primeiros convertidos de Muhammad (saas), que eram em sua maioria pessoas humildes, sofreram grande opressão. E, apesar de sua posição, o próprio Muhammad (saas) teria sido morto se os coraixitas não tivessem sido dissuadidos pelo medo da vingança de sangue de seu poderoso clã, Banu Hashim.
A perseguição aumentou à medida que os convertidos de Muhammad (saas) aumentaram em número e influência. A fúria do povo de Meca não tinha limites. Muhammad (saas), o cidadão respeitado, “Al-Amin” de seu povo, agora sofria insultos, violência e uma amarga perseguição, e seus convertidos foram implacavelmente oprimidos, perseguidos e torturados. Profundamente triste devido à situação infringida a seus seguidores, Muhammad (saas) os aconselhou, no quinto ano do início de sua missão, a deixarem Meca e buscar refúgio da perseguição dos idólatras entre o povo cristão da Abissínia. Muhammad (saas) e alguns seguidores leais, permaneceram em Meca e sofreram miséria e opressão indescritíveis, mas seu número continuou a aumentar. Os coraixitas se compunham de alguns clãs. Outros clãs, pediram ao clã de Banu Hashim [de Muhammad (saas)], que renunciasse o direito de vingar o sangue de Muhammad (saas), pois eles queriam matá-lo, para acabar com a expansão do Islam dentre seus próprios membros. Embora não fossem muçulmanos e participassem da perseguição à Muhammad (saas), os orgulhosos membros do clã se recusaram a desistir do direito à vingança. Muhammad (saas), seus seguidores do Banu Hashim e do Banu Al-Muttalib sofreram tantas privações, que o povo de Meca começou a achar que não deveriam mais oprimir tanto seus velhos amigos, vizinhos e parentes.
No final de 617 dc, as proibições aos muçulmanos foram suspensas. Banu Hashim e Banu Al-Muttalib agora estavam livres para seguir suas vocações, mas a crítica a Muhammad (saas) tornou-se cada vez mais implacável. Um ano depois, Muhammad (saas) perdeu seu tio e protetor, o nobre Abū Talib (líder dos Banu Hashim), e sua amada esposa, Khadijah, em cujo amor ele encontrou conforto, consolo e encorajamento. A morte de Abū Talib removeu o último controle sobre a violência em Meca. Muhammad (saas) estava agora indefeso e em perigo contínuo de vida. A perseguição tornava-se cada vez mais violenta, e Muhammad (saas) buscou refúgio na cidade vizinha de Taif, onde foi expulso com grande hostilidade e escapou por pouco da morte. Muhammad (saas) fez vários convertidos em um grupo de peregrinos da próspera cidade de Yathrib. Após a peregrinação, os homens de Yathrib voltaram para sua cidade. No ano seguinte, na época da peregrinação, setenta e três homens de Yathrib foram a Meca para jurar fidelidade ao Profeta (saas) e o convidaram para se mudar para sua cidade. Muhammad (saas) aceitou este conselho deles e decidiu, com seus seguidores de Meca, que eles seguiriam para Yathrib. Eles partiram gradualmente e sem obstrução, Muhammad (saas) permaneceu em Meca até o fim. Sua intenção de partida foi logo descoberta pelos coraixitas, que decidiram matar Muhammad (saas) antes que ele também escapasse, pois embora odiassem a ideia de sua pregação entre eles, temiam ainda mais a disseminação de sua influência, se ele escapasse de Meca. Eles escolheram quarenta homens, um de cada clã, que fizeram o juramento solene de matar Muhammad (saas). Eles optaram em atacar simultaneamente, para que o assassino não pudesse ser vingado, por uma rixa de sangue. Mas, na noite em que se escolheu matar Muhammad (saas), ele deixou Meca com Abū Bakr.
Até agora estudamos a vida do Profeta (saas) antes da Hégira. A maior parte das informações biográficas que a tradição islâmica preserva sobre Muhammad (saas) foi extraída de fora do Alcorão. As informações biográficas do Profeta Muhammad (saas), estão no que é chamado de literatura Sīrah (árabe: “biografia”).
Indiscutivelmente, o trabalho mais importante do gênero, é de Mohamad ibn Isḥāq (falecido em 767 ou 768 dc), que é o Kitāb al-Maghāzī [“Livro das Expedições Militares”, do Profeta (saas)]. No entanto, este trabalho existe apenas em retrabalhos e resumos posteriores, dos quais o mais conhecido é Abdul Malik ibn Hishām (falecido entre 833 ou 834 dc). Há também o Sīrat Muḥammad rasūl Allāh (“Vida de Muhammad, o Mensageiro de Deus”). A partir da emigração do Profeta (saas) de Meca para Medina, há relatos mais precisos, que já estavam em circulação no final do século VII.
A Hégira, o ano 0 do calendário Islâmico, é justo este momento da fuga de Muhammad (saas) de Meca, para não ser assassinado. O Alcorão cita a Hégira na Sura (02:191). A Hégira ocorreu em 21 de junho de 622 dc e durou até dia 2 de julho de 622 dc. Evitando seus perseguidores, o Profeta (saas) conseguiu se adiantar por uma longa distância no deserto e alcançou a cidade de Yathrib, a partir de então passou a ser conhecida como Medina. Muhammad (saas) agora estava livre para pregar e seus seguidores aumentaram rapidamente. Os muçulmanos podiam então adorar a Allah (swt) e viver de acordo com Suas leis.
Foi durante esse período, com o Profeta (saas) agora chefe de um território e de uma nação, a Ummah (nação) Islâmica, que a maioria dos versos do Alcorão sobre as regras em sociedade foram revelados. Inclusive Muhammad (saas) ditou a Constituição de Medina, que garantia direito de culto e demais direitos aos judeus e cristãos. Mas, seus inimigos em Meca não concordavam que Muhammad (saas) ficasse tranquilo em Medina. Eles organizaram três grandes expedições contra a cidade, para tentar matar novamente o Profeta (saas) e destruir o Islam, mas todas foram derrotadas.
Em 628 dc, Muhammad (saas) e cerca de mil dos seus seguidores aproximaram-se de Meca, declarando a sua intenção de praticar o Hajj. Então, depois de um período de tensão, assinou-se o Tratado de Hudaybiyah, que foi uma trégua entre os muçulmanos, liderados pelo Profeta Muhammad (saas), e a tribo dos coraixitas, assinada no oásis de Al-Hudaybiyah. Com esta trégua de paz, o Profeta (saas) estabeleceu um programa intensivo para a propagação do Islam. Poucas semanas depois do Tratado de Hudaybiyah, Muhammad (saas) mandou cartas para vários reis e também aos imperadores bizantinos e persas, convidando-os ao Islam. O rei da Abissínia e o governante do Bahrein aceitaram o Islam, enquanto o imperador bizantino, Heráclio, reconheceu a profecia de Muhammad (saas), mas afirmou não estar disposto a entrar para o Islam. Foi somente no oitavo ano após a Hégira que os monoteístas islâmicos conseguiram pôr fim a guerra obtendo uma vitória sem derramamento de sangue sobre Meca, quando os maquenses violaram os termos de seu tratado. Isto ocorreu em 630 dc, quando algumas tribos Beduínas junto aos coraixitas estavam novamente se preparando para assassinar o Profeta (saas). Isso foi considerado por Muhammad (saas) como uma quebra do tratado. Muhammad (saas) e 10.000 dos seus seguidores marcharam sobre Meca e exigiram a rendição da cidade, que se rendeu sem ocorrer nenhum conflito. O povo de Meca, que havia oprimido implacavelmente Muhammad (saas) e seus seguidores por vinte e um anos, esperavam uma terrível vingança, mas na hora de sua derrota foram tratados com um enorme respeito. “Vão, vocês estão livres!”, foram as com palavras como quais Muhammad (saas) lhes concedeu anistia geral. O Profeta (saas) removeu todos os ídolos de dentro e ao redor da Kaaba, dizendo: “A verdade chegou e a falsidade desapareceu. De fato, a falsidade está destinada a desaparecer” (17: 81). Então, o chamado para a oração (Adhan) foi ouvido neste antigo santuário. A rendição de Meca foi seguida pela submissão das tribos vizinhas e o reconhecimento da liderança espiritual de Muhammad (saas) sobre toda a Arábia.
Durante o nono ano da Hégira (631 dc), delegações chegavam de todas as partes da Arábia para jurar fidelidade ao Profeta (saas) e ouvir o Alcorão. O Islam então se espalhou aos confins da Península Arábica e das regiões do sul do Iraque e da Palestina, todos abraçavam o Islam voluntariamente. No décimo ano (632 dc), Muhammad (saas) foi a Meca como peregrino, para fazer o Hajj, e ele sentiu que era a última vez, devido à Revelação que se completou lá, através do versículo, “[…] Neste dia Eu aperfeiçoei sua religião para você e completou-se Meu favor a você […]” (05:03). Em seu retorno a Medina, ele adoeceu de uma febre mortal. Durou quinze dias, nos quais ele continuou a liderar as orações até três dias antes de sua morte, quando delegou as orações para a liderança de Abū Bakr. Na madrugada do último dia de sua vida terrena, Muhammad (saas) saiu de seu quarto ao lado da mesquita e se juntou às orações públicas, mas no final do dia ele morreu. O fim veio de maneira nobre, com as súplicas de perdão e os pedidos de companhia dos justos no Paraíso, o Profeta do Islam (saas) deu seu último suspiro, aos 63 anos de idade, na quarta-feira, 12 Rabi` al-Awwal (11º ano da Hégira – 632 dc). Quando sua missão terminou, o Profeta (saas) foi saudado por seus seguidores, homens e mulheres.
O Islam continuou sua expansão. Noventa anos após a morte do Profeta (saas), a luz do Islam brilhava na Espanha, no Norte da África, no Cáucaso, no Noroeste da China e a na Índia. Hoje somos 2 bilhões de muçulmanos. 25% da população total do planeta Terra.
O SUFISMO SURGIU NA VARANDA DO PROFETA (saas)
Os Ahlus-Suffa
Os Ahlus-Suffa (família da sombra do telhado – “varanda”) eram um grupo de companheiros (Sahaba) muito próximos ao Profeta Muhammad (saas). Eles emigraram de Meca para se juntar a ele, em Medina, e para viverem ao seu lado, em sua mesquita, por um período temporário devido à falta de acomodação. Eles são os primeiros sufis e é aí, neste momento, que surge o sufismo.
Abū Huraira e Abū Dharr al-Ghifārī, famosos transmissores de Hadices [ditos do Profeta (saas)], estavam entre os membros mais conhecidos desse grupo de pessoas. As privações dos Ahlus-Suffa, bem como o apoio e alimentação que eles recebiam pela comunidade de muçulmanos, são objeto de numerosos Hadiths.
Para os sufis de todos os tempos, os Ahlus-Suffa são um modelo de pobreza voluntária e ascetismo, que vale à pena imitar. O Islam Sunita Tradicional vê os Ahlus-Suffa como sendo os primeiros sufis, e como um grupo ou comunidade para o intuito de aprendizagem religiosa.
A palavra Suffa, que dá nome a esta comunidade dos primeiros Sufis, se refere a um telhado sombreado (ẓulla) na parte traseira, da área norte da Mesquita do Profeta (saas) em Medina [Livro “Wafāʾ al-Wafā”, de Ahmad as-Samhūdī (Sunita Tradicional do séc. XVI); pg. 453]. Hoje a mesquita é conhecida como Al-Masjid an-Nabawi. Diferente de como é hoje, na época o telhado era feito de folhas de palmeira e argila, e as pessoas que lá estavam podiam tocá-lo por baixo, quando estendiam os braços. O lugar sombreado (mauḍiʿ muẓallal) sob este telhado também era conhecido como Suffa.
No momento em que os muçulmanos faziam o Salat (orações) ainda voltados para Jerusalém, para se alinharem, a oração era feita ali, no Suffa. Depois que Muhammad (saas) implementou a mudança para que o Salat seguisse a Qibla, direção de Meca, os pobres Muhadjirun (migrantes de Meca que moravam em Medina) beneficiaram-se disso, e os que não tinham abrigo em Medina, tomaram o lugar Suffa como refúgio e passaram a morar temporariamente ali [Livro “Wafāʾ al-Wafā”, cit.].
Umar ibn Shabba cita um companheiro do Profeta (saas) dizendo: “Quem veio a Medina e conhecia um representante tribal (arīf) lá, ficou com ele, mas quem não tinha um viveu no Suffa.” [Livro: “Tārīḫ al-Madīna al-Munauwara”, Umar ibn Shabba (Sunita Tradicional do séc. IX); pg. 286].
O número dos Ahlus-Suffa não era constante. Abū Huraira cita como tendo visto de trinta a setenta homens dos Ahlus-Suffa, orando atrás do Mensageiro de Allah (saas). [Livro: “Kitāb aṭ-Ṭabaqāt al-kabīr”, Vol. I; Muhammad ibn Saʿd (Sunita Tradicional do séc. IX); pg. 13].
Ibn Taimīya explica assim: “Uma vez eram dez ou menos, outra vez vinte, trinta ou mais e às vezes eram setenta.” Ele ainda afirma que num total, foram cerca de 400 sufis que teriam vivido lá, em diferentes períodos da vida do Profeta (saas). [Livros: “Ahl aṣ-Suffa”; Ibn Taimīya (Ulema Sunita Tradicional e sufi do séc. XIV); pg. 28].
Quando ícones do Islam descreviam os primeiros sufis daquela época, algo que era comum na descrição de todos era o voto de pobreza feito por eles, suas boas obras e suas constantes súplicas pedindo a misericórdia de Allah (swt), inspiradas na Sunnah [no modo de ser e no que falava o Profeta Muhammad (saas)]. Deixemos um dos primeiros sufis descrever esta Sunnah: Abū Huraira relatou:
“Ouvi o apóstolo de Allah (saas) dizer: “As boas obras de qualquer pessoa não o farão entrar no Paraíso” (isto é, ninguém pode entrar no Paraíso por suas boas obras). Eles (os companheiros) disseram: “Nem mesmo você, ó Apóstolo de Allah (saas).” Ele (saas) disse: “Nem mesmo eu, a menos que Allah (swt) conceda Seu favor e misericórdia a mim. Portanto, sejam moderados em suas obras religiosas e façam as obras que estão dentro de suas possibilidades. E nenhum de vocês deve desejar a morte, pois se ele é um bom executor, pode aumentar suas boas obras, e se ele é um mau executor, pode arrepender-se diante de Allah (swt).” [Sahih Muslim, 5.673].
A pobreza dos Ahlus-Suffa era particularmente evidente na área de roupas. Abū Huraira é citado como tendo dito que os trinta homens dos Ahlus-Suffa que ele viu orando atrás do Mensageiro de Allah (saas), todos usavam vestes simples (ridā). Em outra versão desta narração, Abū Huraira diz:
“Eu vi setenta do povo Suffa, nenhum dos quais estava vestindo um sobretudo. Eles usavam uma tanga (izār) ou um xale simples (kisā) amarrado no pescoço. Para alguns, chegava ao joelho, para outros, ao calcanhar. Você tinha que segurá-lo junto com sua mão para que sua Aura não ficasse visível.” [Ṣaḥīḥ al-Buḫārī, 431].
Vários relatores de Hadices dizem que Muhammad (saas) teria elogiado a pobreza dos Ahlus-Suffa. De acordo com um relato de al-Fadāla ibn ʿUbaid (Sahabi falecido em 673), o Profeta (saas) veio até eles uma vez após a oração e disse: “Se vocês soubessem qual é a posição de vocês perante Allah (swt), vocês seriam ainda mais pobres e aumentariam ainda mais.” [Hadith at-Tabarānī: al-Muʿǧam al-Kabīr . sv al-Faḍāla ibn ʿUbaid al-Anṣārī (vol. XV, p. 310)].
Em um Hadith, que remonta a Abū Huraira, está escrito: “Ahlus-Suffa eram hóspedes do Islam (aḍyāf al-islām) que não tinham família, nem propriedade nem nada mais. Se o Profeta (saas) recebia uma esmola, ele a enviava a eles e não ficava com nada. E quando um presente viesse a ele, ele o pegaria. Então ele pegava um pouco e os deixava participarem também.” [Ṣaḥīḥ al-Buḫārī, 6.087].
O modo de vida dos Ahlus-Suffa sempre foi o interesse dos sufis de outras épocas. Al-Kalābādhī (Ulema Suinta Tradicional do séc. X) considerava que um sufi verdadeiro era alguém que se parecia com um Ahlus-Suffa em caráter e se referia a ambos os grupos como ṣuffīya. [Livro: “At-Taʿarruf”; al-Kalābāḏī; pg. 07]. Além disso, al-Ghazāli (Ulema Sunita Tradicional do séc. XII e sufi) para estabelecer uma relação entre os Ahlus-Suffa e os Sufi posteriores, afirmava que os Ahlus-Suffa, assim como os sufis, sempre estavam vestidos com lã (árabe. SUF). [Livro: “Iḥyāʾ ʿulūm ad-dīn, Vol. IV; al-Ghazāli]. Vários autores sufis, incluindo Abū Nasr as-Sarrādsch (séc X) e Hudschwīrī (séc XI), dedicaram capítulos aos Ahlus-Suffa em suas obras, mostrando que o sufismo, desde as épocas que sucederam o Profeta (saas), manteve sua inspiração nestes primeiros sufis [que eram também Sahaba – companheiros do Profeta (saas)], na Sunnah e no Alcorão.
Mohamad ibn Saʿd (Sunita Tradicional do séc. X), no seu “Grande Livro da Classe” ( Kitāb aṭ-Ṭabaqāt al-kabīr ), dedicou uma seção especial aos Ahlus-Suffa. Neste livro ele designa quatro pessoas, que seguramente foram para deste grupo. Essas pessoas são: Abū Huraira , Abū Dharr al-Ghifārī, Wāthila ibn al-Asqaʿ e Qais ibn Tihfa al-Ghifārī. Abū Huraira é citado como tendo dito que ele próprio pertencia aos Ahlus-Suffa. Ibn Sathd narra as seguintes palavras de Wāthila: “Eu era um dos vinte companheiros do Mensageiro de Allah (saas) que pertenciam aos Ahlus-Suffa. Eu era o mais jovem deles.” [Livro: “Kitāb aṭ-Ṭabaqāt al-kabīr”, Vol. II; Muhammad ibn Saʿd (Sunita Tradicional do séc. IX); pg. 29].
Mas, alguns grandes ícones do Islam fizeram listas bem maiores dos Sahaba [companheiros do Profeta (saas)] que eram dos Ahlus-Suffa. Um deles foi Abū Nuʿaim al-Isfahānī (Sunita Tradicional do séc XI), que em seu livro de título “Ahl as-Suffa” descreve, em 70 páginas, um número bem maior destes primeiros sufis. Ele cita nome e vida de um total de 104 pessoas que compunham este grupo. As pessoas famosas que ele então atribuiu aos Ahlus-Suffa são Bilal Ibn Rabah, Sa`d ibn Abi Waqqas, Abū Ubaidah ibn al-Jarrah, Abdullah ibn Masud, Suhayb ar-Rumi, Abū Lubaba, Abdallāh ibn ʿUmar e SALMAAN AL-FARISI [ELE FOI O 3º MESTRE DA CADEIA DOURADA DA ORDEM NAQSHBANDI] [Livro: “Ḥilyat al-Auliyāʾ”, Vol. I; Abū Nuʿaim; pg. 376]. Isto é uma evidência concreta da relação que a Ordem Sufi Naqshbandi tem com os Ahlus-Suffa. Mostra que a origem do sufismo está nos Ahlus-Suffa. Aponta claramente que o sufismo surgiu na época do Profeta Muhammad (saas).
Na época do Profeta (saas), e, logo depois, vários eram os muçulmanos ilustres que queriam ajudar e estar ao lado dos Ahlus-Suffa, como o filho de Abū Bakr, Abdur Rahman, que frequentemente convidava 3 ou 4 dos primeiros sufis para jantar em sua casa. [Sahih Bukhari]. Em um Hadith transmitido por Muslim ibn al-Hajajaj em seu Ṣaḥīḥ, diz que os Qurrāʾ (os recitadores do Alcorão na mesquita), também participaram da alimentação dos Ahlus-Suffa. Eles cortavam lenha, vendiam e usavam o dinheiro para comprar comida para eles [Sahih Muslim]. Logo, vê-se que os primeiros sufis estavam ao lado, eram amigos, dos melhores recitadores do Alcorão, e das pessoas que eram exemplos da Sunnah do Profeta (saas). Eles mesmo eram exemplos da Sunnah.
Para a Ordem Naqshbandi a luz que estava no coração do Profeta (saas) foi passada diretamente para o coração de Abū Bakr, esta luz foi sendo transmitida para as gerações seguintes, passando dele para Salman al-Farsi (citado Alhus-Suffa que foi o 3º mestre da Ordem Naqshbandi). Este por sua vez, passou para Qasim ibn Muhammad ibn Abū Bakr. O elo seguinte desta transmissão foi Jafar as-Sadiq, e depois Bayazid al-Bistami. Então, a mesma luz que guiava os Sahaba, os Tabi’un (geração posterior), os Tabi’in (geração que sucedeu a posterior) foi perspassando no âmago, na coluna vertebral da Ordem Naqshbandi, desde os primeiros citados, aos remotos Kwajas até os mestres contemporâneos.
Essa isnad, essa silsila, essa cadeia dourada é o que define o sufismo, pois quem está no sufismo, é aquele que segue estes exemplos, desde o Profeta (saas), Abū Bakr, os Ahlus-Suffa até chegar aos mestres de nosso tempo. Ibn Abdul Barr relatou: Malik ibn Anas (Imam Malik, que fundou a Madhab de Fiqh Maliki, no séc VIII) já dizia: “Em verdade, é dever de um estudante do conhecimento se comportar com dignidade, tranquilidade e reverência e seguir o caminho daqueles que vieram antes dele.” [Jāmi ‘Bayān al-‘Ilm 619].
- Mufarridun
Quando os Ahlus-Suffa se juntavam com alguns do povo de Medina e com os muçulmanos forasteiros que chegavam lá, muitas vezes eles se sentavam em roda e faziam juntos Dhikr [Lembrança de Allah (swt)]. Quando tinha um grupo reunido, deles, fazendo Dhikr, eles eram então chamados de Mufarridun. Abū Huraira relatou que o Profeta (saas) disse: “Movam-se, porque aqui está Jundan, que se elevou aos mufarridun.” Disseram: “Que são os mufarridun?” O Profeta (saas) disse: “São os homens e as mulheres que se recordam muito de Allah [Sahih Muslim 1.436 e 2.676]. Tem um outro Hadith muito parecido, mostrando a veracidade deste, no qual relata-se que perguntaram ao Profeta (saas): “Quem são os mufarridun?” O Profeta (saas) respondeu: “Os que estão entregues à recordação de Allah e são ridicularizados por causa disso, cujo peso se elimina no Dhikr, de modo que chegam a Allah flutuando.” [Tirmidhi 3.596]. Tem alguma definição melhor para quem são os sufis? A marca principal do sufismo é o Dhikr em congregação, prática que ocorre há 1.400 anos, com o aval de nosso Profeta (saas).
O Alcorão orienta os muçulmanos e as muçulmanas a praticarem o Dhikr com muita freqüência, e que a Lembrança de Allah (swt) é muito benéfica para o nosso coração. Diz o Alcorão: “A que são fiéis e cujos corações sossegam com a recordação de Deus. Não é, acaso, certo, que à recordação de Deus sossega os corações? (13:28). E diz também: “E recorda-te do teu Senhor intimamente, com humildade e temor, sem manifestação de palavras, ao amanhecer e ao entardecer, e não sejas um dos tantos negligentes” (07:205). Há várias outras passagens do Livro Sagrado que mostram esta importância, e dezenas de Hadices que apontam que esta é a Sunnah do Profeta (saas).
Uma das principais características do sufismo é a ênfase na prática do Dhikr. O ser humano poderá despertar sua alma, através do Dhikr, da hipnose da Dunya (deste mundo material em que vivemos – Terra), que o torna adormecido, senão morto, para as realidades celestiais. Isso é o que afirma o Profeta (saas): Abū Musa narrou que o Profeta (saas) disse: “Quem se lembra de seu Senhor e quem não se lembra é como os vivos e os mortos.” [Sahih Bukhari 6.044]. O sufi se inspira no Profeta (saas) neste quesito, pois é dito que o Profeta (saas) costumava invocar a Allah (swt) [fazer Dhikr] a todo o momento (de pé, sentado, deitado, quieto, movendo-se) [Sahih Muslim, 1.282].
O que algumas linhas mais literalistas e extremistas do Islam dizem é que o Dhikr em congregação é uma inovação dos sufis. Que o Profeta (saas) nunca autorizou isso. Os sufis faziam esta prática na época dele e foram elogiados por ele ao fazerem o Dhikr em congregação: Abū Said Khudri narra que o Mensageiro de Allah (saas) chegou a um grupo de seus companheiros na mesquita e disse: “Por que vocês estão sentados aqui?” Eles disseram: “Estamos sentados lembrando Allah e agradecendo a Ele por Seu favor de nos guiar ao Islã”. O Profeta (saas) disse: “Vocês dizem sob juramento, que foi isso que os fez sentarem aqui?” Eles disseram: “Por Allah, estamos sentados aqui apenas para esse fim”. O Profeta (saas) disse: “Eu não fiz vocês prestarem juramento por nenhuma dúvida, mas a verdade é que Gabriel [Anjo Jibril (as)] veio e me disse que Allah está expressando Seu orgulho de vocês na frente dos anjos.” [Tirmidhi 3.379]. Então, as práticas sufis existem desde a época de Muhammad (saas) e elas foram autorizadas por ele. O Dhikr em congregação dos sufis não é uma prática que só terá uma recompensa futura, no mundo celestial. É uma prática que a pessoa sente a recompensa, as bênçãos de fazê-la, no exato momento em que a está fazendo: O Profeta (saas) disse: “Existem muitos anjos de Allah, além dos designados para tarefas normais, que viajam à procura de sessões de Lembrança de Allah. Quando eles encontram uma sessão em que a Lembrança de Allah está em andamento, eles se sentam com eles e alguns anjos cobrem os outros com as asas subindo um sobre o outro até que o espaço entre a terra e o céu mais baixo seja preenchido.” [Sahih Muslim, 2.689 e semelhante Tirmidhi 3.600].
As correntes salafi e wahabi, os literalistas do Islam, falam que o Hadra (forma de Dhikr em que há recitações em movimento, dos mais variados) são inovações do sufis, que o Profeta Muhammad (saas) nunca teria autorizado isso. Outra mentira que contam sobre o sufismo. Como podemos ver neste Hadith: Abū Said Khudri narrou que o Mensageiro de Allah (saas) disse: “Lembre-se de Allah tanto que as pessoas comecem a dizer: ‘Ele ficou louco.’ Hadith atestado por Ahmad ibn Hanbal, [al-Masnad 11.671]. Ahmad ibn Hanbal [Imam Mujtahid do séc IX] é muito citado por estes fundamentalistas, e percebemos aí que ele estava de acordo com as práticas do sufismo. Outro exemplo semelhante, de alguém que é muito citado por eles, é do Imam Nawawi [Ulema Sunita do séc. XIII], que disse em seu livro de interpretações do Sahih Muslim, que esta narração, deste Hadith dos Mufarridun, significa que: “Eles são os que se agitam ou se movem na menção ou recordação de Allah”.
- Conclusão
Conclui-se que os Ahlus-Suffa tinham o estilo de vida como a dos sufis, usavam as mesmas vestimentas, tinham as mesmas práticas, e membros que compunham este grupo foram transmissores da Baraka (bênção) do Profeta (saas) para os mestres da Ordem Naqshbandi. Além do óbvio do mesmo nome Suffa e Sufi terem aí as mesmas raízes e significações.
Não importa o nome que damos para um modo de vida e práticas, pautadas numa religião. Se chamarmos isso de Ahlus-Suffa, Mufarridun ou Sufi. O importante é a realidade que compreende estes nomes ser a mesma, podendo ser expressa por nomes diferentes. Posso dizer que tenho uma pessoa que converso com freqüência que é o meu amigo, ou meu colega, ou ainda meu companheiro de prosa. O mesmo raciocínio podemos usar para algo que é essencialmente o mesmo, mas mudou o nome ao longo da história. Há mais de 5.000 ac existia o artesão vidreiro, que fabricava o vidro. Na época do Renascimento, há séculos atrás, chamavam estes profissionais de artistas do vidro. Hoje quem fabrica o vidro é a indústria de vidros. Chamados de os industriais do vidro. A essência da atividade deles é a mesma, mesmo que mude de nome. Assim a essência do Ahlus-Suffa, do Mufarridun e do Sufi é a mesma: Viver constantemente a Lembrança de Allah (swt) e conectar o coração com Allah (swt).
Esta é a opinião dos Imames das 4 Madhabs (escolas de jurisprudência) sobre o sufismo. Todos eles vêem essa função essencial comum nos sufis, ao longo de toda a história do Islam. Imam Ahmad ibn Hanbal disse: “Ó meu filho, você tem que se sentar com o Povo do Sufismo, porque eles são como um manancial de conhecimento, e mantêm a Recordação de Allah em seus corações. Eles são ascetas e têm o maior poder espiritual.” [Tanwir al-Qulub p. 405]. O grande Imam Abū Hanifa disse: “Se não fossem por dois anos, eu teria perecido.” Ele continuou: “Por dois anos, acompanhei Sayyidina Ja’far as-Sadiq e adquiri o conhecimento espiritual que fez de mim um gnóstico no Caminho (sufi).” [Ad-Durr al-Mukhtar, vol 1. p. 43]. O Imam Abū Hanifa era sufi, como ele mesmo afirmou, ele aprendeu o Islam, a Sharia (lei islâmica) com Ja’far as-Sadiq, que foi o 5º mestre da Ordem Naqshbandi. O próprio Imam Abū Hanifa afirmou que aprendeu sufismo com Ja’far as-Sadiq. Logo este último grande ícone do Islam era sufi também, como afirma a Naqshbandi.
O Imam Shafi’i disse, sobre o sufismo: “Eu acompanhei os Sufis e recebi deles três conhecimentos: como falar; como tratar as pessoas com leniência e suavidade, e eles guiaram-me nos caminhos do Sufismo.” [Kashf al-Khafa, ‘Ajluni, vol. 1, p 341]. Linda fala deste outro grande Imam sobre o sufismo, atestando ele ter sido sufi também.
O Imam Malik disse, sobre o sufismo: “Aquele que estudar Jurisprudência (tafaqaha) sem estudar Sufismo (tasawwafa) se corromperá; e aquele que estudar Sufismo sem estudar Jurisprudência se tornará um herege; mas aquele que combinar os dois alcançará a Verdade.” [‘Ali al-Adawi , vol. 2, p 195]. O que o sufismo propõe ao seu praticante? Mostrar-lhe a Verdade, através do contato direto do coração do sufi com Allah (swt). O sufi chegará a Verdade fundido o Islam externo, Sharia, com o Ihsan (camada interna do Islam, a excelência do caráter). O salafi e wahabi só estudam Fiqh (jurisprudência), logo vê-se ao a origem de sua corrupção.
Esta é a opinião destes 4 que estão entre as maiores autoridades do Islam Sunita Tradicional, sobre o sufismo. Inclusive os 4 eram sufis.
Para os muçulmanos contemporâneos que estudam os Ahlus-Suffa, como Mohamad Hamidullah (estudioso da lei islâmica e autor acadêmico com mais de 250 livros, faleceu em 2002. Ele escreveu extensos trabalhos sobre ciência, história e cultura islâmicas, que foram publicados em várias línguas), disse em seu livro “Le prophète de l’Islam” (1959), que os “Ahlus-Suffa” são a “primeira universidade islâmica arquetípica”. Ele disse que a Mesquita do Profeta (saas) deveria ser entendida como uma sala de aula, o Suffa (a varanda), como um dormitório, os Ahl as-Suffa como estudantes e o Profeta (saas) como um professor e mentor desta universidade. É essa a herança e a origem do sufismo. O sufismo era e é uma universidade, uma escola, um caminho para se viver o Islam. O sufi tem como seu ponto de encontro a Dergah, Majlis ou Tekia (palavras que significam a mesma coisa). Os discípulos do sufismo são estudantes de como conectar o coração com Allah (swt) e seu professor é o Profeta Muhammad (saas) que é refletido num espelho, chamado mestre, mawlana, murshid ou pir.
O mais importante é você conectar seu coração com Allah (swt), viver plenamente a experiência direta da Verdade, e ter como o que delimita esta estrada rumo a Verdade, a Sharia. Deste modo, você não se perderá nesta estrada. Assim, o sufi chega aos mais elevados níveis espirituais possíveis ao ser humano, neste planeta, hoje.
Psicologia Sufi e o Islam
O Islam é um oceano tão infinito quanto Allah (swt), pois foi Ele quem nos presenteou o Islam. O sufismo é, dentre outras, uma técnica para nos aprofundarmos neste imenso oceano do Islam e conhecê-lo em minúcias, como um explorador pode mergulhar em corais, estudá-los e nos trazer imagens lindíssimas do oceano. O sufismo pode levar o(a) muçulmano(a) a explorar o Islam e possibilitá-lo(a) a tomada de consciência de como é lindo o Islam.
O sufismo também é um oceano. Com uma profundidade incomensurável. Vamos tentar expor aqui parte desta profundidade, explorando e “mergulhando” na psicologia sufi e seu embasamento no Islam Sunita Tradicional.
Vamos ver o que é o ego (NAFS), suas camadas e o que é a alma. Será que alma e espírito são a mesma coisa? Não basta apenas entender estes conceitos e conhecê-los teoricamente. É necessário viver estes conceitos e conhecê-los como manifestações dentro de nós.
Para elucidar um pouco sobre estes pontos, este texto esta organizado em uma primeira parte, sobre o ego. A segunda parte trata sobre os níveis do ser. Em seguida é feita uma análise do uso da palavra alma no Alcorão e seus significados. A quarta parte deste texto fala sobre a importância do autoconhecimento. E por fim, a conclusão aponta quais caminhos seguir, a partir das mais diferentes situações pessoais.
- O Ego
Sheikh Nazim diz o seguinte sobre o assunto:
“Você ainda não sabe sobre você mesmo. Quando você olha para si mesmo, você pode entender sobre si mesmo passo a passo. Mas estamos ocupados com tudo ao nosso redor. Estamos olhando para fora, não para dentro de nós mesmos. Enquanto você olha para fora, não se preocupa com o seu ‘eu’. Se você puder olhar para dentro de si mesmo, encontrará outra coisa. Você olha para sua fotografia ou olha no espelho e ainda vê a visão externa de si mesmo, mas deve pensar em si mesmo e em que lhe foram dados segredos Divinos. O universo que você recebeu dentro de você é algo como uma pequena gota no oceano. Existem cinco tesouros secretos escondidos em seu coração. O coração não é aquele pedaço de carne em você. Esse é o coração do corpo físico. Você tem algo mais dentro de você. Essa é a sua personalidade na Presença Divina. Você recebeu cinco tesouros, cinco universos. Cada um é mais largo do que o outro e mais profundo. O mais profundo, que não tem limites, é o trono do seu Senhor. É o trono do seu Senhor porque nada pode conter o seu Senhor. É impossível. Nem os mundos nem o céu podem conter o seu Senhor Todo-Poderoso, apenas o seu coração, os corações dos filhos de Adão (as) o contêm. Isso significa que não há limite para o seu coração.” [O Reino Divino – Vol 1; Sheikh Nazim al-Haqqani (40º Mestre da Ordem Naqshbandi, falecido em 2014); pag. 34].
O ego se relaciona com a camada de nossa alma na qual vivemos. Inclusive no Alcorão e na literatura sufi muitas vezes a palavra “alma” é sinônimo de ego. Algumas vezes a palavra “alma” é usada como sinônimo de espírito. Iremos explorar isso adiante. Mas agora, se quisermos entender o que é o ego, temos que entender as camadas de nossa alma, ou as camadas do NAFS. Se buscarmos entender um pouco esta passagem de Sheikh Nazim, acima, vamos ver que estes “cinco tesouros secretos escondidos”, que ele cita, que estão no seu coração e no coração de cada ser humano são os LATAIF. Vamos tentar entender agora como os LATAIF se relacionam com o EGO. Mas, o que o Islam fala sobre isso? “Não vi o Profeta (saas) falando em LATAIF”, diz o salafi inovador, acusando os outros de inovação. Será que não? O Profeta Muhammad (saas) disse o seguinte, sobre o coração de um verdadeiro muçulmano(a): Abu ‘Inabah relatou: O Mensageiro de Allah (saas), disse: “Na verdade, Allah tem vasos entre as pessoas da terra, e os vasos de seu Senhor são os corações de seus servos justos. Os mais amados deles são os mais suaves e brandos deles.” [Musnad al-Shāmiyyīn 840 Grau: Qawi (forte) de acordo com Al-Albani]. Um Hadith Qudsi, que foi mencionado no livro “Al-Ihya”, aponta que o Profeta (saas) disse: “Allah declarou: ‘Nem os céus nem a terra me envolvem, mas o coração brando do meu servo crente sim.’” Com estes hadices, já começamos a vislumbrar que o Profeta (saas) apontou sim que há muitos mistérios no coração do ser humano, pois o coração pode envolver, conectar a pessoa a Allah (swt). Então, há algo sagrado aí. Abu Huraira relatou: O Mensageiro de Allah (saas), apontou para o seu coração e disse: A justiça está aqui. [Ṣaḥīḥ Muslim, 2.564]. E Ibn Abbas relatou: O Mensageiro de Allah (saas), disse: Na verdade, quem não guarda nada do Alcorão em seu coração é como uma casa em ruínas. [Sunan al-Tirmidhī, 2.913. Grau: Sahih].
Há uma vasta gama de Hadices e passagens no Alcorão mostrando que o coração é muito mais do que um pedaço de carne. Perceba neste Hadith que segue, como o Profeta (saas) começa a expor os tipos de coração que existem no ser humano: “Existem quatro tipos de coração: um coração polido, brilhante como uma lâmpada, radiante. Há o coração selado, com um nó amarrado em volta dele. Há o coração que está de cabeça para baixo. E há o coração que está embrulhado. Quanto ao coração polido, é o coração do crente e sua lâmpada é a luz da fé. O coração selado é o coração do incrédulo. O coração virado de cabeça para baixo é o coração de um hipócrita puro, pois ele tinha conhecimento, mas o negou. Quanto ao coração que está envolvido, embrulhado, é o coração que contém fé e hipocrisia. A parábola da fé neste coração é a parábola da erva que é sustentada por água pura, e a parábola da hipocrisia nela é a parábola de uma úlcera que prospera em sangue e bicho; o que for maior dominará.” [Musnad Aḥmad, 10.745].
Cada ser humano deve mergulhar em seu coração, tentar localizar nele a erva daninha e eliminá-la, antes que ela sufoque e mate a sua fé. Aqui começaremos a entender um pouco da psicologia do ego. O ego quer dominar o nosso coração, quer nos dar sugestões, nos influenciar e quer ser o nosso senhor. O ego quer que vivamos nas camadas mais superficiais da nossa alma. O trabalho da psicologia sufi é mitigar o espaço do ego, deixá-lo cada vez mais fraco, diminuir sua influência sobre nós, limitar cada vez mais o espaço que ele ocupa em nosso coração. Quando este espaço vai diminuindo, a conseqüência é que vai “sobrando” mais espaço em nosso coração, de maneira que nosso espírito, nossa essência vai expandindo e tomando conta deste espaço quase infinito que existe no coração. Como saber o tamanho deste espaço interno do coração? Será que sabemos tudo sobre os mistérios do coração? Como saber qual é a realidade de seu coração? Será que o salafi tem domínio pleno neste assunto do coração para negar que há uma realidade misteriosa aí que vai muito além dos livros de Fiqh (Jurisprudência)? As realidades da alma humana são insondáveis. A alma está fora do espaço-tempo. A alma é eterna e imutável. Nossa mente esta contida nestes ossos e carne, que chamamos de corpo. A mente tem suas claras limitações. O que o ser humano chama de pensamento é apenas o “primeiro andar” da mente. É possível ascender ao “segundo andar” da mente, mas aí já estamos no domínio da alma. Na relação entre a mente e a alma. Poderíamos chamar este “segundo andar” da mente, que não é acessado nem pelo mais altos QIS, de Razão Superior. Superior, pois se relaciona com Allah (swt). O mais eminente intelectual, que usa 100% do seu “primeiro andar” da mente, se não tiver conexão com o Superior, com Allah (swt) nunca ascenderá ao “segundo andar da mente”.
Allah (swt) mostrou claramente ao ser humano o que pode fazer (Halal) e o que não pode (Haram) no Alcorão e na Sunnah. Allah (swt) deu vontade e liberdade de escolha, livre arbítrio, para nós. O ser humano é testado a partir do seu ego (NAFS), para que ele possa evoluir ou involuir a partir de sua interação com o ego. Se ele sempre optar em seguir o ego, irá cada vez estar mais predisposto ao mal. Mas, se ele conseguir resistir ao ego, dominá-lo, montar em seu ego, usando-o como um burro de transporte, então, assim, será senhor de si mesmo, isto é, dominará seu ego. Desta forma, ele poderá evoluir espiritualmente. Poderá expandir seu espírito. In Shaa Allah poderá se tornar um Wali, um amigo íntimo de Allah (swt). Os conceitos espírito e alma, e, de ego e nafs são diferentes, mas algumas vezes se misturam. Ruh (espírito) e alma são usados, no Alcorão, em contextos diferentes. Há uma parte imortal de nossa alma que faz uma longa viagem que começa junto de Allah (swt) [Qulu Bala], vem para a dunya (vida aqui na Terra), depois vai para o reino do intervalo (Barzakh – vida póstuma) e por fim ao Paraíso (Jannah), in Shaa Allah. Se estaremos no mais alto do Paraíso, ou em Jahannan (inferno), dependerá de nossa relação com nosso ego. Por isso, expondo de uma maneira bem direta, para que não haja dúvida, e saibamos quem é o nosso ego, para que possamos começar a nos dar conta de nossa relação com ele, devemos ter claro que nosso nafs, ou ego, é o que chamamos, mil vezes por dia, quase a todo o momento de “eu”: “Eu acho que deveria falar tal coisa para fulano”; “Eu acho que tal pessoa não está certa, ela errou”… Sempre quando aparece este “eu” em nossos pensamentos e emoções é o ego que está fazendo-nos crer que é a nossa essência, para nos influenciar. E isto acontece quase a cada segundo de nossas vidas. Mas, Allah (swt) também colocou em nós algo de seu sopro (Ruh) e atributos, embora eles possam estar “suprimidos” em nós pela atuação do ego. Podemos ter acesso a estas partes mais nobres de nossa alma, mas isso requer esforços. Porém, quanto mais o ego estiver nos influenciando com ilusões, que se incorporam à nossa consciência, mais viveremos na mentira e longe destes atributos divinos. Poderíamos colocar mais um elemento aqui, Shaytan, que é chamado de “o ilusor” no Alcorão. Shaytan trabalha em nós influenciando nosso ego. E este, por sua vez, nos influencia e nos leva à ilusão, mentira e em última instância, para o mal. O ego quer que pensemos que somos dono de nós mesmos, que temos que ser livres, que somos poderosos, que temos PODER, poder de fazer, assim traímos o que nos é confiado por Allah (swt), pois só Ele é quem tem PODER. Isso é um tipo muito sutil de Shirk (idolatria), que quase todos os seres humanos cometem, que é a egolatria. Assim, facilmente o ser humano pode se desviar de Allah (swt), pois se tornou “aquele que tomou seu desejo de ser seu deus…” (Alcorão 25:43). Assim somos testados. Aquele que sucumbe ao mal, que é refém destas sutilezas do ego, está vivendo na camada mais grosseira da alma (nafs). Que recebe o nome de Nafs al-Ammara. No Alcorão, em (12:53) diz: “E eu não me absolvo. De fato, a alma é um persistente indutor do mal, exceto aqueles sobre os quais meu Senhor tem misericórdia. De fato, meu Senhor é Perdoador e Misericordioso”. Outras traduções do Alcorão trazem, nesta parte, assim: “a alma ordena ao mal”. O Nafs al-Ammara é apenas uma das sete camadas do nafs, a que ordena a cometer o mal. Vamos ver agora sobre os níveis do ser, para entendermos as outras camadas do nafs.
- Os Níveis do Ser
Vimos acima que “a alma que ordena ao mal”, chama-se Nafs al-Ammarah. Esta é a nossa camada mais baixa. Estas camadas não são estáticas, paradas, elas sobem à consciência. Todas as 7 camadas vêem à nossa consciência, nem que seja por uma fração de segundos. Cabe a nós decidirmos qual tipo de pensamento vamos alimentar e dar continuidade. Para aqueles literalistas que não se aprofundam no Islam, podemos facilmente provar que este assunto está no cerne do Islam: Abu Huraira relatou: “O Mensageiro de Allah (saas) disse: ‘Na verdade, quando o servo comete um pecado, uma marca negra aparece em seu coração. Se ele abandonar o pecado, buscar perdão e se arrepender, então seu coração será polido. Se ele voltar ao pecado, a escuridão aumentará até dominar seu coração. É a cobertura que Allah mencionou no Alcorão: Não, ao contrário, uma cobertura está sobre seus corações com o que eles ganharam’.” (83:14) [Sunan al-Tirmidhī 3.334, Grau: Sahih]. O Nafs al-Ammara é o ego Shaytânico. Totalmente à mercê do controle de Shaytan, que escurecerá cada vez mais o coração daquele que estiver neste nível.
A seguinte camada é o Nafs al-Awwamah. O nafs desta categoria não comanda mais cometer o mal. Além disso, lamenta se cometer um mal, isto é, a pessoa que vive sob maior influência deste ego sentirá arrependimento quando cometer um mal. A base disso está no Alcorão: “…Nós ouvimos, e obedecemos: (Procuramos) Teu perdão, nosso Senhor, e a Ti é o fim de todas as jornadas”. (Alcorão, 2:285). Ou seja, nesta camada do ego a pessoa se questiona e vê seus defeitos. Ao encontrá-los, ela pede perdão a Allah (swt). Mesmo assim, ele não pôde se abster de cometer falhas, mas lamenta-se por causa dos pecados que comete. Esta situação é um progresso em relação ao Nafs al-Ammarah. À medida que a pessoa progride constantemente no caminho reto de Allah (swt), seguindo as orientações e regras do Islam, uma pessoa vai se distanciando cada vez mais desta camada shaytânica do ego. Agora ela deve começar a olhar para si própria e menos para o outro. Isto a sedimenta nesta etapa. É o que chamamos de SADRA. Vemos isso na Sunnah também: Abu Huraira relatou: “O Mensageiro de Allah (saas) disse: ‘Os fortes não são aqueles que derrotam as pessoas. Os fortes são aqueles que derrotam seu ego’.” [Mushkil al-Āthār 1.426, Grau: Sahih]. A pessoa não está interessada mais nas outras. Vencer uma discussão, mostrar que é “o melhor”. A pessoa quer vencer o seu ego, seus defeitos, suas debilidades. Nesta grande guerra contra seu ego (Jihad al-Akbar), há um momento em que se dá uma das batalhas principais: quando o ego sai da porta do coração e esta porta está sob o nosso comando, a partir de então. Neste momento acessamos o Primeiro Tesouro Secreto escondido no Coração.
Acessamos assim o Nafs al-Mulhamah, “o nafs inspirado”. Este é um grande passo. Poucos são os seres humanos que o dão. E aqui a pessoa tem uma confirmação de Allah (swt) de que está progredindo espiritualmente. Ela tem esta certeza. Pois, viver neste nafs é muito diferente do que viver nos dois anteriores. Quando o servo se aproxima de Allah (swt) através da sua progressão espiritual, Allah (swt) também se aproxima dele. Allah (swt) o inspira sobre o que é certo e o que está errado (isto é, a pessoa entende o porquê das regras da Shariah), pela própria aproximação de Allah (swt). Vemos isso na Sunnah também, em parte deste Hadith: “…Meu servo continua a se aproximar de Mim com atos voluntários de adoração para que eu o ame. Quando o amo, sou sua audição com a qual ele ouve, sua visão com a qual ele vê, sua mão com a qual ele golpeia e seu pé com o qual ele caminha. Se ele pedisse [algo] de Mim, eu certamente lhe daria…”. [Hadith Qudsi – Sahih al-Bukhari, 81:38:2]. Aquele que vive neste nafs começa a perceber essa inspiração que anteriormente lhe foi comunicada antes de nascer [Qulu Bala]. “Quem purifica é resgatado” (Alcorão 91: 9). Este é um princípio. Quem purifica seus nafs é salvo. O Primeiro Tesouro Secreto escondido no coração, que se abre para aquele que chegou e permaneceu neste nafs, neste Maqam, ou nesta Estação é o Latif Qalb.
No nível seguinte, o coração encontra ainda maior satisfação: Nafs al-Mutmainnah. O nafs (ego) se torna Mutmainnah (tranquilizado) neste nível. A pessoa que vive nesta camada do nafs sabe e VIVE a realidade de que não há lugar para “coincidências” e que é Allah (SWT) que domina todas as coisas, é Ele a Causa Primária de tudo, todas as situações vividas, cada acontecimento provém de Allah (swt), e nosso papel é estarmos satisfeitos com Ele. Por isso, nesta etapa, o ego está tranqüilo. Como foi dito anteriormente, as camadas da alma (ou do ego) podem emergir em nossa consciência. Pode ser que tenhamos sentido por instantes esta realidade vivendo em camadas anteriores a esta. Podemos encontrar menção a esta realidade no Alcorão (89:27-28), que diz: “E tu, ó alma em paz, Retorna ao teu Senhor, satisfeita (com Ele) e Ele satisfeito (contigo)!” Aqui a pessoa encontrará o Segundo Tesouro Secreto escondido no coração, o Latif Sir. Para a Naqshbandiyya, esta etapa é o viver plenamente o Nazar bar Qadam (um dos 11 Princípios da Ordem Naqshbandi), que é “Acompanhar os Passos”. Isto é, manter os “olhos em seus pés”. Manter os olhos em seus pés significa salvaguardar sua visão. O que seus olhos estão vendo não é para este dunya (mundo material), nossos olhos deveriam ser para ver os Céus. Logo, nesta etapa, a pessoa que está neste Maqam, tem controle total de sua visão exterior e passa a abrir sua visão espiritual, que é o sentido interno da visão. É viver uma vida na qual se abaixa o olhar. Viver uma vida na qual você aperfeiçoa o que está vendo e uma vida na qual você começa a experimentar: “Então você certamente o verá com os olhos/visão da certeza”. (Sagrado Alcorão, 102:7). Você está concluindo o treino de sua visão, limpou os olhos, baixou os olhos, lavou os olhos. É como se a pessoa, que está neste nível, dissesse: não quero estar presa aos meus olhos, eu quero ver com o olho do meu coração, eu quero ver com o olho da minha alma. Então, começa-se a abrir essa realidade. Ao limpar o físico, Allah (swt) começa a abrir o espiritual.
Uma grande conquista, talvez a maior de todo este percurso que estamos descrevendo, é chegar a viver no Nafs ar-Radiyyah. Abdullah ibn Mas’ud relatou: “O Mensageiro de Allah (saas) disse: ‘Ó Allah, reúna nossos corações, reconcilie-se entre nós, guie-nos por caminhos de paz e nos livre das trevas para a luz. Mantenha-nos longe da imoralidade, exterior e interiormente, e abençoe-nos em nosso ouvir, ver, nosso coração, nosso cônjuge e nossos filhos. Aceite o nosso arrependimento, pois só o Senhor é o que Origina, o Misericordioso. Faça-nos gratos por Suas bênçãos, louvando-as e aceitando-as, e dê-nos na íntegra’.” [Sunan Abī Dāwūd 968, Grau: Sahih]. Somente nesta etapa o ser humano pode dizer que está íntegro, inteiro, completo. Ele está ouvindo a realidade. Começa a ouvir sua consciência de maneira plena. Está recebendo, desta maneira, todos os conselhos de Allah (swt). É como se Allah (swt) viesse, através de sua consciência e lhe desse um conselho: “Faça assim, faça assado, fale isso ou fale aquilo”. Tudo direcionado ao bem e à Vontade de Allah (swt). Quando estes seres humanos estão ouvindo estes conselhos e abrem de maneira mais plena a visão espiritual, vêem o que Allah (swt) quer que eles vejam, então começam a ouvir e ver o Haqq (Verdade). “De fato, esta é a verdadeira certeza” (Alcorão, 56:95). À medida que abre o Haqq para eles, eles se tornam mais sutis, e começam a sentir que a sensação do tato espiritual está se abrindo. Quando estão ouvindo, com o ouvido espiritual, é porque o tato espiritual irá começar a se abrir. Quando estão ouvindo e vendo o Haqq, começam a senti-Lo. Quando fazem Dhikr, todas essas experiências se tornam Haqiqa [Realidade]. Estão ouvindo a realidade, estão sendo treinados para ver a realidade, sentir a realidade, e ela se torna, agora, concreta, real, palpável. Este ser humano se tornou sutil e o sentido do tato espiritual está se abrindo de maneira plena. Ele está vivendo no Terceiro Tesouro Secreto escondido no coração. Ele está vivendo no Latif Sir Sir.
O Quarto Tesouro Secreto escondido no coração é o Latif Khafa e quem encontrou este tesouro vive no Maqam correspondente ao Nafs al-Mardiyyah. A pessoa abre definitivamente o sentido interno do olfato. Ela pode começar a cheirar as fragrâncias do Paraíso e cheirar as fragrâncias de Shaytan. Quando esta pessoa vai a algum lugar, pode cheirar algo que não está correto, porque ela atua neste mundo através desta camada de sua alma. A alma é muito sutil, ela capta a fragrância das pessoas. Ela pode captar quando alguém tem um pensamento ruim, uma má intenção no coração, enfim, ela tem um odor poderoso para qualquer tipo de sujeira. Ela pode sentir o cheiro e a partir dele compreender o que está acontecendo. Além de já estar com a visão e a audição superior atuando nela. Ibn Taymiyyah (Ulema e sufi do séc XIV, seguia a Escola Hanbali) explica melhor: “Os milagres dos santos são absolutamente verdadeiros e corretos, e reconhecidos por todos os estudiosos muçulmanos. O Alcorão apontou para isso em diferentes lugares, e os Hadices do Profeta (saas) os mencionam, e quem quer que negue o poder milagroso dos santos é inovador ou seguindo inovadores.” [Mukhtasar al-Fatawa al-Masriyya]. Esta pessoa está plenamente contente nas adversidades. Como as adversidades que passaram os Profetas Ibrahim (as), Nuh (as), Isa (as) e Muhammad (saas). É uma satisfação plena da pessoa com Allah (swt) e de Allah (swt) com a pessoa. Por esse motivo, quando o Imam Said Nursi (Mufti da Escola Shafi – do início do séc. XX), disse: “você deve buscar o prazer de Allah (swt) em suas ações!”, no primeiro princípio do seu “Tratado sobre Sinceridade”, o objetivo que ele propõe para os estudantes de Risale-i Nur, são os níveis de radhiyya e mardhiyya. Annas relatou: “O Mensageiro de Allah (saas) disse, ao se referir a Allah (swt): ‘Ó virador de corações, afirme meu coração sobre sua religião! Annas disse: ‘Ó Mensageiro de Allah, nós acreditamos em você e naquilo com que você foi enviado. Você teme por nós?’ O Profeta (saas) disse: ‘Sim, pois os corações estão entre os dedos de Allah. Ele os transforma da maneira que quiser’.” [Sunan al-Tirmidhī 2.140, Grau: Sahih]. Este nível do ser é uma completa transformação em relação ao primeiro nível. É como se Allah (swt) tivesse colocado no lugar, para toda a eternidade, aquele coração que estava invertido.
O próximo nível é o mais alto dos nafs: Nafs as-Safiyyah. É o nível mais alto, pois quem o atinge, chega à perfeição possível ao ser humano. Para progredirmos espiritualmente, nos aprofundarmos nestas camadas do nafs, temos que cultivar algumas qualidades: IRĀDAH: compromisso com Allah (swt); ISTIQĀMAH: firmeza no caminho com Allah (swt); HĀYA: vergonha em cometer o mal; ḤURĪYYAH: liberdade do mundo; FATOOT: traço de masculinidade (no sentido de persistência ao servir), como um serviço contínuo para os outros; ḤUB amor a Allah (swt); ABOODIYAH: servi exclusivamente Allah (swt); MARAQIBA: foco completo em Allah (swt); DUʿĀʾ: súplicas; SALAT: orações; FAQAR: abandono do materialismo; TASAWWUF: ciência islâmica do aprimoramento do ser (sufismo) ; SUHBAT: companhia dos justos; ADAB: seguir protocolos de respeito, excelência e gentileza. Enfim, quem consegue se aprofundar ao máximo em cada um destes pontos até se tornar pleno em todos, encontrará o Quinto Tesouro Secreto escondido no coração – Latif Akhfa. E estará então vivendo na camada mais profunda da alma, que é o Nafs as-Safiyyah. Sheikh Nazim disse, lá no texto mencionado no início, sobre o ego: “O mais profundo, que não tem limites, é o Trono do seu Senhor. É o trono do seu Senhor porque nada pode conter o seu Senhor. É impossível. Nem os mundos nem o céu podem conter o seu Senhor Todo-Poderoso, apenas o seu coração, os corações dos filhos de Adão o contêm.” Isso significa que não há limites para o coração. Neste Maqam/Estação Espiritual, o ser humano deixa para trás todos os limites que estavam encerrados em cada latif de seu coração e se une de maneira plena Àquele que NÃO TEM LIMITES, é Infinito e é Eterno. Ibn Abbas relatou: “O Mensageiro de Allah (saas) disse: ‘Ó Allah, ilumine meu coração, ilumine minha audição, ilumine minha visão, ilumine minha língua e dê-me luz em abundância’.” [Musnad Aḥmad 3.291]. Neste Maqam o ser humano está transbordando luz de seu coração. Aqui ele tem acesso às mais elevadas realidades. Ele está ouvindo, vendo, cheirando e experimentando com todos os seus sentidos internos o mais cheiroso e lindo universo possível ao ser humano. Pereba o abismo que existe entre dominar as palavras e conceitos que compõem o Islam (conhecê-lo só na teoria) e vivê-lo em sua completude. Pode haver uma pessoa que tem um pleno domínio das palavras. Ela pode dominar toda a lógica do kalam (ciência islâmica da lógica e domínio dos conceitos), mas, por mais excelente que ela seja nesta ciência, ainda estará no “primeiro andar” da razão, porque Allah (swt) nos diz que: “Vou selar sua boca quando você subir aos céus.” (36:65). Logo, Allah (swt), como é dito no Alcorão e na Sunnah, está interessado em nosso coração e não em nossa mente. No Dia do Juízo, nenhuma palavra conceitual livrará alguém, a pessoa pode se utilizar de todo o arcabouço lógico islâmico, mas não conseguirá sequer manifestar isso, como aponta o ayat mencionado, que agora vemos na íntegra: “Naquele dia, selaremos sobre suas bocas, e suas mãos falarão conosco, e seus pés testemunharão sobre o que elas costumavam ganhar”. (Alcorão Sagrado, Yasin 36:65).
- A Alma ou Espírito
Rūḥ em árabe é a parte imortal e essencial de uma pessoa, ou seja, o “espírito” ou a “alma”. O Alcorão descreve Rūḥ, em alguns contextos, como a parte que anima a matéria inanimada. Vê-se no Alcorão (17:85): “Perguntar-te-ão sobre o Espírito. Responde-lhes: O Espírito está sob o comando [AMR] do meu Senhor, e só vos tem sido concedida uma ínfima parte do saber”. O espírito (alma: Rūḥ) é do Amr do teu Senhor. Em vários ayats (versos) do Alcorão, a palavra Amr tem sido usada com três significados: 1) Ordem, Mandamento ou Autoridade. 2) Trabalhos ou Tarefa. 3) Criar unicamente por Sua Vontade, do nada. Alguém pode se perguntar se a alma é auto-existente ou se é algo criado. A resposta é: Amr, ou seja, ela provém do trabalho de Allah (swt). Em outras palavras, a alma é algo criado e não auto-existente. Alguém pode ficar intrigado se a alma é algo material ou diferente da matéria: novamente a resposta é: Amr do Senhor (vontade dEle, criada do nada), ou seja, não é matéria, como a conhecemos, pelo menos. Se a pessoa estiver ainda confusa com a afirmação de outras de que a alma é igual a Allah (swt), neste ayat acima (17:85), vemos que a alma de fato é a criação do Senhor e, como tal, não pode ser igual ao Criador, porém nem pode também ser independente dEle.
Podemos nos referir à diversas aplicações do uso da palavra alma no alcorão. Em alguns versículos, a alma é mencionada como uma entidade em paralelo à existência dos anjos: “O dia em que a alma e os anjos devem ficar em fileiras…” (78:38). Vemos, na seguinte passagem do Alcorão, uma outra perspectiva da palavra espírito: “Naquela noite, os anjos e o espírito santo descem, com a permissão de seu Senhor, para cada matéria decretada.” (97:04). A palavra espírito às vezes é utilizada para se referir a Jibril (as) – o Anjo Gabriel. Em alguns versículos, a palavra “alma” foi combinada com o “Espírito da alma santa” ou o “Espírito Santo” interpretado como Jibril (as) – Anjo Gabriel, por muitos estudiosos sunitas tradicionais, mas há outras interpretações também. Vemos isso novamente na seguinte passagem: “Com ele desceu o Espírito Fiel” (26:193) ou “Diga, o espírito santo revelou isso de seu Senhor com a verdade” (16:102). Vemos então, que não é tão simples definirmos, em algumas palavras o que é alma, ou o que é espírito. Ou como nossa alma se relaciona com o Espírito Fiel, por exemplo. E há outra forma ainda de aplicação da palavra alma no Alcorão, quando refere-se ao Profeta Jesus, Isa (as), que tem o título de “Rouh o llah”, como em: “O Messias, Isa, filho de Maria é apenas um mensageiro de Deus e é Sua palavra que Ele comunicou a Maria, com um espírito Dele.” (04:171). Estamos vendo aplicações da palavra “Rūḥ”, no Alcorão. E há outras ainda. Há a palavra Rūḥ como “Poder Espiritual” concedido aos profetas e crentes, tais como: “Estes são em cujos corações Ele impressionou a fé, e quem Ele fortaleceu com uma inspiração dEle.” (58:22). Ou: “E nós demos a Isa, filho de Maria, argumentos claros e o fortalecemos com o espírito santo.” (02:87). O Alcorão Sagrado nos lembra que a gravidez de Maryam [Maria, mãe de Isa (as)] não era normal, e sim era uma gravidez através do envio de uma força manifestada que Allah (swt) mandou: “lhe enviamos o Nosso Espírito, que lhe apareceu personificado, como um homem perfeito” (19:17). Alma ou Rūḥ aparece ainda como a origem da vida do ser humano, como o Sagrado Alcorão diz: “Recorda-te de quando o teu Senhor disse aos anjos: ‘Criarei um ser humano de argila, de barro modelável. E ao tê-lo terminado e alentado com o Meu Espírito, prostrai-vos ante ele’”. (15:28-29). Alma também aparece como sinônimo de nafs (ego). Nafs é uma palavra árabe que ocorre no Alcorão, que significa literalmente “eu”, e foi traduzida como “psique”, “ego” ou “alma”: Como é dito no Sagrado Alcorão “Toda alma provará a morte” (29:57). Significa que cada um de nós, em termos de nafs e personalidade, morreremos. Ou também, alma é visto como nafs em (05:105): “Ó fiéis, resguardai as vossas almas, porque se vos conduzirdes bem, jamais poderão prejudicar-vos aqueles que se desviam; todos vós retornareis a Deus, o Qual vos inteirará de tudo quanto houverdes feito”. Então, alma é algo a ser resguardado, purificado, trabalhado. O que encaixa perfeitamente com o estudo dos “Níveis do Ser”, visto anteriormente. Parece haver uma diferença mais perceptível no Alcorão entre NAFS (alma e ego) e RUH (espírito). O Rūḥ pode dirigir o nafs. O nafs compreende desejos temporais e percepções sensoriais. O nafs pode assumir o controle do corpo se o Rūḥ se render aos impulsos corporais. O nafs está sujeito ao desejo corporal, enquanto o Rūḥ é a essência imaterial de uma pessoa, que vai além das emoções e instintos animais. Novamente estas idéias fecham perfeitamente com o estudo dos “Níveis do Ser”. Então, concluímos que no Alcorão ALMA aparece como espírito e em outras ocasiões ALMA aparece como ego ou nafs. ALMA aparece com parte de Allah (swt), uma manifestação dEle, ou mesmo como parte de um enviado dEle, como o Anjo Gabriel ou mesmo Jesus (as). Talvez esteja aí um segredo subjacente. Lá na mais profunda camada de nosso nafs, há um elo de conexão com nosso espírito. Que se conecta com os mensageiros de Allah (swt) e enviados, que se conecta com o Criador de tudo: Allah (swt).
- O Autoconhecimento
Depois de estudarmos o ego, estudarmos as camadas de nossa alma e vermos que a palavra alma talvez signifique um elo com Allah (swt) ou algo que transpasse a nossa compreensão, por ser usada nas mais diversas conotações por Allah (swt), podem surgir algumas perguntas, como: Como teremos acesso a estes mistérios? Como teremos acesso às profundezas incomensuráveis de nossa alma? Parte desta resposta está no autoconhecimento. Vemos a importância dele no Alcorão (50:16): “Fomos nós que criamos o homem e sabemos que sugestões sombrias sua alma lhe faz: pois estamos mais próximos dele do que sua veia jugular”. Se Allah (swt) está mais próximo de nós do que nossa veia jugular, logo, tenho que me voltar para dentro de mim mesmo para descobri-Lo. No Sagrado Alcorão, vemos na (12:53): “Porém, eu não me escuso, porquanto o ser é propenso ao mal, exceto aqueles de quem o meu Senhor se apiada, porque o meu Senhor é Indulgente, Misericordiosíssimo.” Para crescermos espiritualmente, temos que conhecer nossa propensão ao mal. Para não sermos vítimas dela. Eis uma importância bastante urgente e imediata do autoconhecimento. Agora na (75:02): “E juro, pela alma que reprova a si mesma”. A alma que reprova a si mesma é uma clara menção ao que chamamos de Nafs al-Awwamah, no estudo do “Níveis do Ser”. Esta camada do nafs, em questão, trabalha, quando está na sua melhor forma, com a auto-acusação. Fazendo-nos assim conhecermos nossos defeitos. Assim comprovamos que o auto-conhecer-se é uma indicação para os muçulmanos e muçulmanas. No Alcorão, vemos ainda: (91:09) “Que será venturoso quem a purificar (a alma)”. Outra menção explícita ao trabalho de aprofundamento em nossas camadas da alma. Há inúmeras menções indiretas no Alcorão quanto à importância do autoconhecimento: (13:28) “Aqueles que acreditam e cujos corações encontram satisfação na lembrança de Allah. Pois, sem dúvida, na lembrança de Allah, os corações encontram satisfação.” Todos aqueles que praticam o Dhikr (Lembrança de Allah) sabem que este é o mais poderoso instrumento de autoconhecimento, pois a partir dele é possível perceber quando o ego aparece em nossa mente, tentando nos influenciar. Na sura (43:14), diz: “E em verdade, a Nosso Senhor, de fato, devemos retornar!” E na (13:11), diz: “Em verdade, Deus nunca mudará a condição de um povo até que ele mude o que está em seus corações.” Como é possível mudar o que está em seu coração, que não seja conhecendo bem o que deve ser mudado? Alguém consegue mudar algo, para melhor, efetivamente, sem conhecer este algo? E esta última passagem é outra clara menção à possibilidade de “mergulho” nas camadas do nafs rumo ao estado de WALI [amigo íntimo de Allah (swt)]. E por fim: “…e não seja como aqueles que esqueceram de Deus, então Ele os fez esquecer a si mesmos” (41:53). Então, diz o Alcorão, não podemos ser como aqueles que se esquecem de si mesmos. Temos que nos lembrar de nós mesmo. E isto passa pelo autoconhecimento, mas também, pelo Dhikr, pois a mais eficaz forma de lembrarmos de nós mesmo é lembrando de Allah (swt).
Vimos inúmeras menções à importância do autoconhecimento e também a ele ser um dos veículos de purificação do coração. Veremos agora algumas passagens da Sunnah que se remetem, essencialmente, a mesma idéia e também veremos o que disse grandes Ulemas [sábios], sobre o assunto: “Aquele que conhece a si mesmo, conhece a seu senhor” [Livro: Al-Fatāwa al-Hadīthiyya, pg 206. De Abdullah al-Herawi al-Ansari (sufi do séc. XI, citado exaustivamente por Imam Nawawi e Imam Taymiyyah]. Al-Ghazali (grande Ulema Sunita e sufi do séc. XII) disse: Aquele que conhece a si mesmo, conhece seu Senhor Todo-Poderoso, e isso é o suficiente para remover a arrogância. Não importa o que ele realmente saiba sobre si mesmo, ele saberá que é humilhado em todos os sentidos, ele é pequeno em todos os sentidos [Iḥyā ‘Ulūm al-Dīn 3/358]. O processo de se autoconhecer resulta em se auto-humilhar. E Allah (swt) eleva aquele que se humilha. Vejamos o que diz o Profeta (saas): “Quem entre vocês vê um mal em si, deve tirá-lo com a mão e se ele não é capaz, então com a língua e se não é capaz, deve odiar isso em seu coração, e esse é o nível mais fraco de fé.” [Muslim e Ahmed]. O Profeta (saas) disse “quem entre vocês vê em si!”, isto é, ele (saas) está nos exortando a nos auto-conhecermos, em vermos em nós os nossos defeitos. Ibn al-Mubarak relatou: “Sufyan al-Thawri (era um estudioso e jurista islâmico al-Tābi‘īn – primeiras gerações depois do Profeta – saas, foi fundador da madhhab de Thawri. Ele também foi um ótimo compilador hadith) disse: ‘Se você se conhece, não será prejudicado pelo que for dito sobre você’.” [Ḥilyat al-Awliyā ‘6/390]. Por isso, temos que estar primeiro seguros de nos conhecermos, para estarmos seguros quando qualquer um apontar algo de nós. Aí, mais próximos de nosso coração, estaremos seguros de nossa intenção. Aquele que não sabe nada de si, como vai ensinar algo sobre o outro ou sobre Allah (swt)? O Profeta (saas), disse: O exemplo do erudito que ensina coisas boas às pessoas, mas se esquece é o de uma lanterna, que ilumina as pessoas, mas se queima.” [At-Tabarani].
Sheikh Nazim também nos ensina sobre o autoconhecimento: “Quem se lembra de seu Senhor tem uma Luz Divina em seu coração que impede a entrada de Shaytan e seus soldados. Portanto, quanto mais você se lembrar e meditar, mantendo um olhar atento em seu coração, mais bem-sucedido será em impedir seu inimigo mortal. Mas, se você não se lembrar, se estiver ocupado demais para ficar de olho no coração, certamente Shaytan entrará furtivamente, basta um momento de desatenção e ele começará a fazer você sofrer.”
Autoconhecimento é também esta vigília constante sobre si. Termos uma atenção plena em nós mesmos nos ajudará a conhecer o nosso Senhor. Vigiar o nosso ego é fundamental para entrarmos em nosso interior. Em árabe, o autoconhecimento é chamado de Ma’rifatul-Nafs. O que é Ma’rifatul-Nafs ou autoconhecimento? É conhecimento sobre nós, nos vigiarmos, isto é, vigiar a si mesmo, vigiar seu nafs (ego). Abu Nu’aym relatou: Sahl ibn Abdullah (Ulema Sunita, grande conhecedor de Tafsir e sufi do séc. IX) disse: “Se alguém conhece o inimigo, conhece seu Senhor. Se alguém se conhece, conhece seu status com seu Senhor. Se alguém conhece sua mente, conhece seu estado entre ele e seu Senhor. Se alguém conhece o conhecimento sagrado, conhece sua jornada. Se alguém conhece o mundo, conhece o outro. E Sahl foi questionado sobre o ditado: ‘Quem se conhece, conhece seu Senhor’. Sahl disse: ‘Quem se define por causa de seu Senhor, seu Senhor define por causa de si mesmo’.” E não é esta passagem deste sufi de épocas próximas ao do Profeta (saas) que sintetiza tudo dito até aqui? Então, sejamos responsáveis por nós mesmo. Nos conheçamos para que possamos conhecer o nosso Senhor e todos os mistérios de nossa alma. O Alcorão nos pede isso, na sura (5:105): “Ó vós que crestes, sobre vós é responsabilidade de vós mesmos. Aqueles que se perderam não o prejudicarão quando você for guiado.” Allah (swt) está nos dizendo para cuidarmos de nós mesmos, prestarmos atenção a nós mesmos, que devemos ter cuidado com o bem-estar de nosso espírito, nossa alma, que devemos estar cientes das doenças de nossa alma e de como curá-las. Ele (swt) também nos diz que devemos prestar atenção aos nossos deveres, que nos são obrigatórios como muçulmanos(as). Então, Ele (swt) nos diz que, se entendermos o caminho (das camadas do nafs), se formos fiéis e crentes comprometidos, aqueles que são enganados (que estão perdidos) não nos prejudicarão. A partir disso, entendemos que nosso primeiro dever, quanto a esta questão, é cuidar, vigiar a nossa alma. E para tal é necessário conhecê-la. O Alcorão diz, na (41:53): “Mostraremos a eles nossos sinais nos horizontes e dentro de si mesmos até que fique claro para eles o que é a verdade. Mas não basta ao seu Senhor que Ele seja, acima de tudo, uma Testemunha?” Allah (swt) está disposto a nos mostrar quem somos. Ele quer nos indicar vias interiores para nos aproximarmos dEle. Podemos acessar estas “rodovias espirituais” até Ele. A partir desses versículos, fica claro para nós que os muçulmanos e as muçulmanas são incentivados(as) por Allah (swt) a se concentrarem em suas almas e a observarem a si mesmos(as). Logo, devemos focar nesta “rodovia espiritual” interior que dá acesso a você mesmo, à sua essência e a Allah (swt). Você não deve se perder de você mesmo, para não se perder de Allah (swt). A maioria das pessoas não se vigia, não se percebe, e não está conectada a Allah (swt). Alcorão: “Certamente o homem está perdido, exceto aqueles que crêem e fazem o bem e se vinculam à verdade e à paciência” (103:1-3). Vincule-se verdadeiramente à Verdade. A Ordem Naqshbandi é Haqqani. Tariqa Naqshbandi Haqqani significa: caminho para você gravar Deus dentro de você a partir da Verdade ou da Realidade Última.
- Conclusão
Ao compreendermos um pouco o ego, ao vislumbrarmos as etapas possíveis que um ser humano pode galgar, ao tentarmos entender melhor o que é a nossa alma ou espírito (se considerarmos alma como sinônimo de espírito e não como sinônimo de ego), podemos, in Shaa Allah, aplicar este conhecimento teórico juntando-o ao conhecimento prático da auto-observação, do autoconhecimento. Quando mergulharmos para dentro de nós mesmos com sinceridade e com um guia verdadeiro, enfim com estes “equipamentos adequados” para mergulho, “rodovias espirituais” se abrirão internamente e em nossos corações. In Shaa Allah estas “rodovias” estarão iluminadas, para sabermos qual a direção que devemos seguir. E a luz desta rodovia é Mawlana Sheikh Mehmet. Ele não é a fonte da luz. A fonte da luz é Allah al-Nur, mas Mawlana estará lá, nestas “rodovias espirituais” que existem dentro de nós, nos sinalizando com um “bastão de luz” o caminho que devemos seguir para irmos de maneira direta e rápida a Allah (swt).
O salafismo não ensina o autoconhecimento, até zomba desta eficaz ferramenta, não conhece o Islam profundamente, na sua prática plena, pois, além disso, também não ensina o caminho para se conquistar o próprio coração. Logo, não aponta para o conhecimento da Realidade do Senhor. Portanto, não conhece o Islam plenamente. Se um salafi mergulhar para dentro de si, ao mergulhar talvez reconheça algumas “rodovias espirituais”, pois o Islam as ensina. Mas, elas estarão apagadas, porque o salafi nega a necessidade de um guia para percorrer estes caminhos internos rumo a Allah (swt).
Já aquele que nega o Islam, ou está no Islam e acha que não precisa fazer o Salat, ou que não precisa cumprir qualquer um dos 5 Pilares, ao tentar mergulhar para dentro de si, verá apenas estradas de terra indo nas mais diferentes direções e nenhuma delas estará iluminada. Perder-se-á. Não chegará a lugar algum.
Pela Misericórdia de Allah (swt), Ele (swt) poderá salvar a alma do salafi, e in Shaa Allah também daquele que negou o Islam por não tê-lo entendido, se este aprendeu o Islam com um salafi e, logo, não tem culpa de ter aprendido o Islam completamente errado, pois é assim que ensina o salafismo/wahabismo. Será salvo, in Shaa Allah, se não associar nada a Allah (swt) e não acreditar que qualquer outro, além de Allah (swt), tenha poder, se assim for, então Allah (swt) poderá salvar esta alma.
Mas, aquele que aprende o Islam corretamente, através dos Ahlus Sunnah wal Jammah (como o Islam ensinado pela Ordem Naqshbandi, que se baseia na Madhab de Fiqh Hanafi e na Aqidah Maturidi, tornando assim a Naqshbandi vinculada ao sunismo tradicional), e depois nega o Islam, ou nega a necessidade de fazer as 5 orações obrigatórias, ou nega qualquer um dos 5 Pilares do Islam ou dos 6 Pilares da crença, este talvez não tenha tanta sorte. É isso que ensina a Escola de Aqidah Maturidi.
Pode parecer, até mesmo para alguns muçulmanos e muçulmanas, que estamos mostrando aqui uma opinião muito drástica sobre aqueles que tiveram um bom entendimento do Islam, afirmando ser o Islam o único caminho válido para a salvação destes. A pessoa pode dizer: “essa afirmação só pode vir do salafismo ou do wahabismo.” Mas, não. Esta é a posição do Islam Sunita Tradicional e das Escolas de Aqidah do sunismo tradicional.
Os seres humanos não estão indo na direção que Allah (swt) indicou. Qual é esta direção: copiarmos a Sunnah do Profeta Muhammad (saas). Esta é a única saída para a humanidade. O único caminho. O Islam reconhece a salvação para as pessoas do Povo do Livro (Judeus e Cristãos) que forem verdadeiros monoteístas e que não tiveram a chance de conhecer realmente o Islam, de serem realmente instruídos sobre o Islam verdadeiro. Logo, o salafismo e wahabismo não contam, pois ensinam um Islam deformado. Perguntaram sobre a noção de “validade universal” de todas as religiões e a sua relação com o sufismo para o Mufti e sufi contemporâneo, Nuh Ha Mim Keller. Ele falou que responderia esta pergunta com base em Ibn Arabi (Ulema Sunita e sufi do séc. XIII) e com base em Abdul Qadir al-Jaza’iri (herói Argelino e sufi do séc. XIX), também com base no Alcorão e na Sunnah. Ele disse: “Embora a Lei Sagrada do Profeta (saas) tenha superado todas as leis religiosas anteriormente válidas, era idêntica a elas em crenças, tais como tawhid ou ‘unicidade de Deus’, e assim por diante, um fato que o Profeta (saas) enfatizou dizendo: ‘Que nenhum de vós diga que sou superior a Jonas [profeta]’, [Bukhari, 4. 193: 3412]. Quanto a hoje, só o Islam é válido ou aceitável [quanto a outros caminhos e religiões] agora que Allah (swt) o enviou a todos os homens, pois o Profeta (saas) disse, ‘Por Ele em cuja mão está a alma de Muhammad, qualquer pessoa desta comunidade, qualquer judeu, ou qualquer cristão que ouça falar de mim e morra sem acreditar naquilo com que fui enviado será um habitante do inferno’ [al-Baghawi: Sharh al-sunna 1.104]. Este hadith foi também relatado por Muslim no seu Sahih e por `Abd al-Razzaq no seu Musannaf, e outros. É uma prova rigorosamente autenticada (sahih) que clarifica a palavra de Allah (swt). No Alcorão, na surat Al ‘Imran: ‘Quem procura uma religião diferente do Islam nunca terá aceite da Sua parte, e será daqueles que realmente falharam na vida seguinte’ (Alcorão 3:85). O Islam é a única religião válida que resta, acreditar nisso é sabido como necessário e parte da nossa religião, e acreditar em qualquer outra coisa que não seja isto é descrença (kufr), que coloca uma pessoa fora do Islam, como diz o Imam Nawawi [Livro Rawda al-talibin, 10.70]. Esta não é apenas a posição da escola de jurisprudência Shafi’i, representada por Nawawi, mas é também a posição registrada de todas as outras três escolas sunitas: Hanafi [Ibn ‘Abidin: Radd al-muhtar 3.287], Maliki [al-Dardir: al-Sharh al-saghir, 4.435], e Hanbali [al-Bahuti: Kashshaf al-qina’, 6.170]. Os estudiosos do Direito Sagrado são unânimes sobre a ab-rogação de todas as outras religiões pelo Islam, porque é a posição do próprio Islam. Ibn Arabi afirmou a este respeito: ‘Cuidado para nunca dizer nada que não esteja em conformidade com a Lei Sagrada pura. Saiba que a fase mais elevada dos aperfeiçoados (rijal) é a Lei Sagrada de Muhammad (saas). E saibam que o esotérico que viola o exotérico é uma fraude.’ [al-Burhani: al-Hall al-sadid, 32].” Adiante, este Mufti e sufi contemporâneo cita Ibn Arabi, expondo o escrito por este grande sufi no livro Futuhat: “‘As leis religiosas (shara’i’) são todas luzes, e a lei de Muhammad (saas) entre estas luzes é como a luz do sol entre a luz das estrelas: se o sol sair, as luzes das estrelas já não são vistas e as suas luzes são absorvidas pela luz do sol: o desaparecimento das suas luzes assemelha-se ao que, das leis religiosas, foi ab-rogado (nusikha) pela sua lei. É por isso que somos obrigados pela nossa lei universal a acreditar em todos os mensageiros proféticos (rusul) e a acreditar que todas as suas leis são verdadeiras, e não se transformaram em falsidade ao serem ab-rogadas: essa é a imaginação dos ignorantes. Assim, todos os caminhos regressam para olhar para o caminho do Profeta (saas): se os mensageiros proféticos tivessem estado vivos no seu tempo, tê-lo-iam seguido tal como as suas leis religiosas seguiram a sua lei’”.
O muçulmano e a muçulmana devem acreditar nisso: depois da revelação do Islam, todas as outras religiões e caminhos foram revogados. Aqueles que não conhecem o Islam e são monoteístas puros, terão salvação, in Shaa Allah. Mas, para aqueles que conhecem o Islam, automaticamente todos os outros caminhos deixam de ter validade e não mais os salvarão. Esta é a crença da Aqidah Maturidi, que é a Escola de Crença das pessoas que seguem a Fiqh Hanafi [Jurisprudência] e logo, dos Naqshbandis – que são Hanafis e Maturidis. Já a Escola de Aqidah Shafi é mais taxativa, diz que só há salvação no Islam, independente da pessoa conhecer ou não o Islam. Mas, nosso foco aqui é a Hanafi e a Aqidah Maturidi, a qual a Naqshbandi segue e não a Escola de Aqidah Shafi. Vemos a mesma idéia, num livro clássico: “Allah (swt), por fim enviou o maior de todos os profetas, Muhammad (saas) para toda a humanidade. Através dele, Ele transmitiu os mandamentos da religião islâmica, que é a verdade de todas as religiões em sua mais perfeita e plena forma. Hoje sobre a face da Terra existe apenas uma única religião, e é esta que será a última até o dia do julgamento [Grande Manual Islâmico – Manual Hanafi]”.
A partir da perspectiva da salvação da alma, se você não está no Islam, deveria entrar o mais rapidamente possível, pois nunca saberá quando irá morrer, e não tem a garantia plena da salvação (apesar de ela estar prevista para este caso, no Islam, na Escola Maturidi).
Se você é de outra ordem sufi, diferente da Naqshbandi, veja o que diz Sheikh Nazim:
“Hoje, todo poder vem da ordem Naqshbandi porque ela está crescendo e consegue tocar os corações de todas as pessoas. A tariqa Naqshbandi também possui Jaziba, Tariqa Jasbathat. Jazba significa atração – atração Divina – é capaz de conduzir os 5 corações e controlá-los. Esperamos que Allah Todo-Poderoso faça com que Seus servos conectem seus corações e para isso o poder de Jazba é extremamente necessário. Esperamos que as brigas e discussões não separem as pessoas e que elas sejam atraías ao caminho de Deus Todo-Poderoso. Assim terão paz em seus corações através do Dhikr. Todas as tariqas usam o Dhikr feito oralmente. A Naqshbandi é a única que usa o Dhikr feito pelo coração e somente esse Dhikr pode controlar os corações. Se o Dhikr não vier do coração, Shaytan têm a oportunidade de controlar aquele coração. Quando o Dhikr existe no coração, Shaytan escapa e foge daquele coração. O Dhikr destas outras quarenta ordens não penetra no coração, e, portanto, não há autoridade que cuide destes corações e os controlem. Isso acontece somente na Mais Eminente Tariqa Naqshbandi. Todos os Imames estão agora usando seus poderes através da Tariqa Naqshbandi, incluindo Seyyadi Abdul Qadir Jilani, que está revestido desse poder, de modo que pode controlar seus murids (seguidores) do tempo em que ele se encontra até o tempo presente. Hoje há apenas um Imam ou pilar central na Tariqa Qadiriya, o Iman Muhiyaldin Abdul Jilani, que também usa o poder Naqshbandi para controlar os corações. (…) Os Imames das outras quarenta ordens também se alimentam desse poder, do mesmo modo que Abdul Qadir al-Jilani alcança o poder Naqshbandi e é desse modo que eles controlam seus murids.” (“Esmeraldas do Paraíso”; Sheikh Nazim al-Haqqani).
Se você for um(a) naqshbandi, seja responsável com seu espírito e faça pelo menos o básico: as 5 orações obrigatórias. Quem sabe Allah (swt) faça com que seus olhos espirituais sejam abertos e você reconheça as “rodovias espirituais”, então perceberá que elas estão iluminadas pelo nosso mestre e que você poderá alcançar os mais elevados níveis espirituais.
Se você for um salafi/wahabi, que Allah (swt) te proteja de você mesmo e tenha misericórdia de você e mantenha-o longe do Shirk, aí sim está prevista a tua salvação. Mas, a tendência é você não ascender aos níveis mais elevados de Jannah (paraíso), por não ter orientação alguma de o que deve fazer para esta finalidade. Mas, você pode ainda tentar alcançar o mais alto paraíso (Firdaws), pois está vivo e pode entrar para um caminho no qual encontrará “rodovias iluminadas” rumo ao Senhor (swt).
O Islam é a única religião que prevê a salvação para aqueles que estão fora da própria religião, neste caso, o Islam prevê a salvação para cristãos e judeus. Se eles forem monoteístas puros e não conheceram o Islam. Aquele que for um monoteísta verdadeiro alcançará a salvação. Apesar de os salafis estarem no erro, inovando o Islam com suas Bidahs que apontam para coisas que não são Haram, mas eles inventam que são, mesmo assim, se eles ficarem longe do Shirk [idolatria], alcançarão a salvação. É o que está previsto no Islam. Pessoas de outras ordens sufis, mantendo o monoteísmo e ficando longe do Shirk [idolatria], alcançarão a salvação. In Shaa Allah!
Mas, neste texto nós estamos falando sobre a psicologia sufi, que trata sobre como o homem pode dominar o seu ego e atingir o máximo de sua espiritualidade. Então, o foco aqui não é somente a salvação, é o que o ser humano deve fazer para atingir os mais elevados níveis espirituais em vida, para que permaneça eternamente nos mais elevados patamares do Paraíso.
Mergulhemos para dentro de nosso coração rumo à descoberta de nossa essência divina, para estarmos satisfeitos aqui e na vida eterna! E Allah (swt) sabe mais!
Abdul Qadir, 06/01/21 (texto baseado em dezenas de sites).
O que é o sufismo?
Vamos tentar entender o que é o sufismo a partir da perspectiva do desenvolvimento de um excelente caráter (Ihsan) ou da mais verdadeira sinceridade com Allah (swt).
“66-AL-WAHID: A Unidade; O Indivisível
“Ele é um, sem igual nem parceiro. Sua essência, atributos, ações, ordens e nomes são únicos. Ele é o único digno de adoração invisível, inteiro, sem partes”.
Devemos ser crentes sinceros. Como servos, devemos saber que Allah Todo-Poderoso está nos observando o tempo todo e que Ele (swt) está conosco, onde quer que estejamos: “Huwa maakum aina ma kuntum”. Estamos vivendo através dEle (swt); como alguém ou alguma coisa pode existir sem Ele (swt)? Portanto, Ele (swt) está sempre conosco, chegando a todos os lugares, como o governo. Se você sabe que há uma câmera escondida, não dirige devagar? Este é o significado do “Ihsan Maqam”, a Estação da Sinceridade, deixar a fé imitada e alcançar a crença verdadeira. Temos que nos direcionar para Allah (swt), sempre cumprindo os Seus direitos primeiro, depois cuidando da dunya, das coisas mundanas. (“99 Gotas dos Infinitos Oceanos de Misericórdia”; Sheikh Nazim Al-Haqqani; p. 218).
O ensinamento que nós estudaremos hoje está no Livro: 99 Gotas dos Infinitos Oceanos de Misericórdia. Sheikh Nazim está nos ensinando aqui o 66º atributo, o nome de Allah (swt) Deus Glorioso e Exaltado, que é o atributo Al Wahid: A Unidade, O Indivisível. Ele (swt) é Um, sem igual nem parceiro. Sua essência, atributos, ações, ordens e nomes são únicos. Ele (swt) é o único digno de adoração invisível, inteiro, sem partes.
Sheikh Nazim diz, no início desse ensinamento de hoje, que devemos ser crentes sinceros. Ele encerra, dizendo que o crente sincero obedece, cumpre primeiro a vontade de Allah (swt), a vontade de Allah (swt) está acima de nossa vontade, mas, como nós podemos garantir que cada palavra que sai da nossa boca, ou cada ato que nós praticamos, estejam de fato 100% alinhados à vontade de Allah (swt)? Isso é “Ihsan Maqam”, isto é, é a estação da sinceridade, abandonar a fé imitada e alcançar a crença verdadeira, é o que diz Sheikh Nazim nesse texto.
Vamos tentar aqui, estudar Ihsan de maneira aprofundada. A palavra árabe Ihsan, vem do verbo ahsana, que significa “agir bem, fazer algo habilmente, dominar algo”. E para que compreendamos melhor o Ihsan, nada melhor do que um Hadith que explica isso com muita beleza: Umar ibn al-Khattab – um dos califas bem guiado, relatou:
Estávamos sentados com o Mensageiro de Allah (saas), um dia em que um homem apareceu com roupas muito brancas e cabelos muito pretos. Não havia sinais de viagem nele e não o reconhecemos. Ele se sentou na frente do Profeta (saas) e apoiou os joelhos nos seus joelhos e colocou as mãos nas coxas. O homem disse: Ó Muhammad, conte-me sobre o Islam. O Profeta (saas) disse: O Islam é para testemunhar que não existe deus, exceto Allah e Muhammad é Mensageiro de Allah; o Islam é para estabelecer a oração, dar caridade, para jejuar no mês de Ramadan, e realizar peregrinação à Casa [Kaaba], se possível. O homem disse: Você falou com sinceridade. Ficamos surpresos porque o homem perguntou, e ele que disse que tal resposta era sincera. O homem disse: Fale-me sobre fé (Iman). O Profeta (saas) disse: Fé é acreditar em Allah, em Seus anjos, em Seus Livros, em Seus mensageiros, no Último Dia, e acreditar na Providência, no seu bem e no seu mal. O homem disse: Você falou com sinceridade. Conte-me sobre a excelência (Ihsan). O Profeta (saas) disse: Excelência é adorar a Allah como se você o visse, pois se você não o vê, ele certamente o verá. O homem disse: Conte-me sobre a Hora Final. O Profeta (saas) disse: para quem você está pedindo, não sabe mais do que quem está interrogando. O homem disse: Conte-me sobre seus sinais (da Hora Final). O Profeta (saas) disse: A escrava dará à luz a sua ama e você verá pastores descalços, nus e dependentes competindo na construção de prédios altos. Então, o homem voltou, foi embora, e eu fiquei. O Profeta (saas) me disse: Ó Umar, você sabe quem ele era? Eu disse: Allah e seu mensageiro sabem melhor. O Profeta (saas) disse: Em verdade, ele foi Gabriel que veio ensinar a você sua religião. (Sahih Muslim número 8).
Não vamos comentar com muitos detalhes esse Hadith, pois o foco é o Ihsan e esse Hadith descreve o que é o Islam, os cinco pilares do Islam, que são 1) a charrada, 2) o salat, 3) o zakat, 4) o jejuar no mês de Ramadan, e 5) o Hajj. Ele descreve o que é Iman, os pilares da crença, no Islam, que é acreditar num Deus único, nos anjos, nos livros revelados, nos mensageiros enviados por Allah (swt), no Dia do Juízo, e acreditar no Decreto. E ele explica o que é Ihsan. O profeta (saas) diz que Ihsan é adorar a Allah como se você o visse, pois se você não o vê, Ele certamente te vê.
Então, o Anjo Gabriel pergunta ao Profeta (swt) quando será a Hora Final. Somente Allah (swt) sabe quando será a Hora Final – isso está escrito no Alcorão, por isso que o Profeta (saas) não responde. Daí o Anjo Gabriel pede ao Profeta (saas) que ele diga quais são os sinais de que o dia do juízo está se aproximando, e ele fala que a escrava dará à luz a sua ama, quer dizer, a mãe irá dar à luz a uma criança que irá mandar nela, que é o que vemos hoje, as crianças mandando nos pais. E fala também que os pastores, quer dizer, o beduíno, no deserto, estará competindo na construção de prédios altos, e nós vemos isso em Dubai, e em outras cidades do mundo árabe, pessoas que eram simples, e que passaram a ganhar muito dinheiro porque lá tem petróleo, e então passaram a competir para ver quem constrói o prédio mais alto do mundo. Nós temos um estudo específico sobre as profecias do Profeta Muhammad (saas), sobre o final dos tempos, quem quiser pode nos solicitar.
Esse Hadith, muito bonito, mostra o Ihsan como um conceito abrangente, denota a quem busca se alinhar ao Ihsan, fazer as coisas de maneira completa, agradável e de bom gosto, com bom sentimento.
O Ihsan é composto por quatro componentes, pelo menos: (i) a Sinceridade (Ikhlas), (ii) a busca por fazer aquilo que se faz da melhor maneira possível; (iii) colocar o sentimento de amor, estar gostando daquilo que faz, e (iv) fazer o que está sendo feito da maneira mais certa possível, mais alinhada à vontade de Allah (swt).
Então, o Ihsan busca congregar essas 4 faculdades. O Islam ordena que os muçulmanos pratiquem e apliquem o Ihsan em tudo o que fazem, portanto o Ihsan é uma obrigação Wajib.
E o que é uma obrigação Wajib? Isso é um conceito, uma terminologia da Escola de Jurisprudência Hanafi, que é uma das 4 escolas do Islam tradicional, e nós a seguimos. As outras escolas de jurisprudência têm a seguinte divisão: existe o que é Fard [obrigatório], o que é Sunnah Muakkadah [Sunnah enfatizada]. Sunnah são os atos embasados em como o Profeta agia (saas) agia. A Sunnah e a Sunnah enfatizada (Muakkadah) não são obrigatórias ao muçulmano. Assim, as outras escolas de jurisprudência têm essas divisões, Fard, Sunnah e Sunnah Muakkadah.
Na Escola de Jurisprudência Hanafi, existe uma etapa intermediária. Então, existe o Fard – obrigatório, o Wajib – o quase obrigatório, e a Sunnah Muakkadah e a Sunnah. Então, para a Jurisprudência Hanafi, o Ihsan é uma obrigação Wajib, ou seja, é um ato quase obrigatório. Um outro exemplo de Wajib é o Salat Witr, que é uma oração que nós fazemos à noite após o Salat Isha, que é a quinta oração do dia. Para a Escola de Jurisprudência Hanafi, o Witr é Wajib, se insere também nesta categoria.
E por que para a Escola de Jurisprudência Hanafi o Ihsan é Wajib – quase obrigatório? Nós vemos no Alcorão, na Sura 16, Ayat 90: “Em verdade, Allah ordena a Justiça, Ihsan, a caridade, o auxílio aos parentes, e veda a obscenidade, o ilícito e a iniqüidade. Ele vos exorta a que mediteis.” Então, o Alcorão diz que Allah (swt) nos ordena que sejamos justos, que ajamos com excelência e sejamos caridosos, busquemos ajudar os parentes, e para nós isso é Wajib, uma obrigação, algo quase obrigatório, Fard.
O Ihsan não pode ser visto separado do Islam, nós vimos que o Islam, a religião Islam, é composta de: (i) Islam, a parte externa, a Sharia; (ii) Iman, a fé, (iii) e Ihsan, a excelência, a parte interna da religião do Islam. Então, aquele que quer, de fato, praticar a religião Islam, deve praticar o Islam, o Iman e o Ihsan.
Para nós, da Escola de Jurisprudência Hanafi, para os muçulmanos Sunitas Tradicionais, isso é algo de extrema importância: praticar a religião Islam com todas as suas partes: Islam, Iman e Ihsan.
Vejamos outra passagem, do Alcorão, que trata sobre isso, na Sura 67, Ayat 2, “[O Onipotente] criou a vida e a morte, para testar quem de vós melhor se comporta – porque é o Poderoso, o Indulgentíssimo.” Nesta passagem do Alcorão, diz que Allah (swt) criou a vida e a morte para nos espiar, nos testar, temos alguns estudos sobre isso, quem quiser pode nos solicitar. Allah (swt) nos criou para nos testar, para ver se nós nos comportamos da melhor maneira possível, que é o Ihsan, então o objetivo de Allah (swt) ter nos criado é que consigamos colocar em prática o Ihsan, por isso essa obrigatoriedade de caráter Wajib.
Sendo assim, ao viver de acordo com o princípio do Ihsan, e aplicá-lo a tudo o que um muçulmano ou muçulmana faz, ele ou ela será recompensado(a), banhado(a), com a misericórdia e o perdão de Allah (swt).
Além disso, ao fazer isso, ao buscar viver o Ihsan sinceramente em sua vida, o muçulmano, a muçulmana, garantirá a ele ou a ela, passar no teste da vida e essa pessoa estará entre os de melhor conduta, que nós recém estudamos no tema da punição [o estudo sobre este assunto pode também ser solicitado]. Muitas pessoas têm medo desse assunto – a punição. Negam a possibilidade de serem punidas pelo tanto de medo que sentem da punição. E nós vimos nesse estudo da punição, que o arrependimento é um antídoto para que não sejamos punidos. O Ihsan é um outro antídoto, quem age com excelência, in sha Allah, se Deus quiser, não será punido. Então, para praticar o Ihsan, a pessoa deve se concentrar em suas ações com toda a sua vontade, seus sentimentos, sua consciência, seus sentidos externos e internos, a pessoa deve buscar esse grau de consciência da supervisão de Allah (swt), para que saiba que Ele (swt) está observando a pessoa que pratica tal ação ou fala. Portanto, a pessoa deve se esforçar para agir da melhor maneira possível, e assim, não deixar de fazer o bem aos outros. Quem agir a partir do Ihsan, necessariamente estará fazendo bem aos outros e esse agir constante, desta maneira, se torna um atributo essencial da natureza daquela pessoa. Esta pessoa irradiará o bem, como a luz é irradiada pelo sol.
A consciência, também, é como uma chave misteriosa que abre a porta do Ihsan. E é isso que ensina o sufismo. Nós vemos, na maioria das Mesquitas e Mussalas do Brasil, que quem está ensinando o Islam lá, se fixa na Sharia, nas leis, na parte externa do Islam, muitas vezes aquele que ensina sequer tem uma Iman real (fé). Muitas vezes aquela Iman é ainda fraca, porque muitas vezes a pessoa fala algo, mas não cumpre aquilo que fala, então de fato a pessoa não tem fé naquilo que estão falando.
Dessa forma, nas Mesquitas e Mussalas brasileiras se ensina a parte externa do Islam, a Sharia, mas não se ensina a parte do Iman, da fé, e muito menos a parte do Ihsan. O sufismo, como a ciência para o desenvolvimento espiritual máximo do ser humano, baseada na revelação dada ao Profeta Muhammad (saas), tendo como seu eixo principal a ênfase na Sunnah do Profeta (saas), busca essa excelência espiritual, o máximo de desenvolvimento espiritual que a pessoa possa atingir. O sufismo busca enfatizar a Sunnah, ou seja, tudo aquilo que o sufi faz deveria estar cada vez mais baseado na Sunnah do Profeta Muhammad (saas).
Dessa maneira, o sufismo não se limita a ensinar a Sharia (mas, também a ensina – inclusive nós temos estudos sobre a Sharia, quem quiser pode nos solicitar), nós temos estudos dos cinco pilares do Islam… Enfim, o sufismo estuda a parte externa do Islam, estuda e ensina a desenvolver a Iman (fé), mas também ensina a parte mais interna do Islam: o Ihsan (como compreendê-lo e como aplicá-lo na vida).
E uma disciplina do sufismo que aborda diretamente o Ihsan, é o Adab (como desenvolvermos em nossas vidas a gentileza, a cortesia e a etiqueta adequada para cada situação). Nós já estudamos o Adab várias vezes em nossos estudos anteriores. Logo, temos disponível alguns estudos sobre o Adab – quem quiser pode nos solicitar. Estes estudos sobre o Adab, são uma faceta do Ihsan.
O sufismo estuda o Ihsan através de várias facetas. Nós vimos aqui, neste artigo, um estudo de Allah Al-Wahid, Deus, a Unidade, o Indivisível, Ele, Allah (swt) não tem partes, é Indivisível. Allah (swt) criou o Islam e nos ensinou em partes, através do Anjo Gabriel. De uma maneira didática, o Anjo Gabriel ensinou o Islam, o Iman, e o Ihsan, só que o Islam, assim como Allah (swt), é indivisível. Então, aquele que é um muçulmano sincero, ou uma muçulmana sincera, deve buscar praticar o Islam nessas três partes: Islam, Iman e Ihsan, pois essas partes não estão dissociadas, Islam não é só a sharia, só a parte externa, como ensinam nas Mesquitas brasileiras.
In Sha Allah, se Deus quiser, nós poderemos nos aprofundar de fato e viver, em toda a sua unidade, o Islam.
Abdul Qadir – 01/10/20
Sufismo: O significado da espiritualidade islâmica e da luta contra os defeitos (o ego)
O QUE É O SUFISMO?
Entenda o que é o sufismo através da perspectiva da luta contra o ego e de outros aspectos. O sufismo é muito mais do que isso. Vamos abordar, in Shaa Allah, o que é o sufismo através de outras perspectivas futuramente.
Você pode estar buscando saber sobre o sufismo, sobre porquê o sufi é um muçulmano Sunita Tradicional e porquê o sufismo é superior ao salafismo. Onde está um dos principais erros do salafismo? Qual é um dos principais acertos do sufismo?
Podemos estudar o sufismo (tasawwuf) a partir de diversas perspectivas. Este texto exporá a perspectiva do sufismo relacionada à luta que cada ser humano deve empreender contra seu ego.
No assunto abordado por Sheikh Nazim, sobre um dos 99 Nomes ou Atributos de Allah (swt) [Deus Glorioso e Exaltado], mais precisamente sobre o atributo AL-MA’JID: O Glorioso, ele diz: “Ele é o Mais Glorioso que mostra infinita generosidade e munificência para com aqueles que estão perto dEle.”
E continua: “Na medida em que você acredita no seu Sheikh, você pode entregar as rédeas às mãos dele, e assim encontrar descanso e satisfação em seu coração. Enquanto você estiver tentando pegar as rédeas com suas próprias mãos, estará carregando um grande fardo nos ombros. Os Sheikhs [Masheikh] são os herdeiros dos profetas e estão se oferecendo para carregar seus fardos, e você deve dar seus fardos a eles. Basta colocar seus desejos em sintonia com os do Sheikh; esse é o caminho para abrir seu coração ao Poder Celestial. Então, você poderá ver, ouvir ou saber algo que não pode saber agora. Muitos murids [discípulos] têm grande aspiração espiritual, Himmah, e dizem: ‘Oh, meu Sheikh, estou pedindo por Himmah para que minha alma seja ativada.’ O Sheikh responde: ‘Oh, meu murid, estou pedindo serviço de você, Khidma. Você deve ser como eu. Quando você for como eu, meus poderes espirituais podem chegar até você; mas se não somos do mesmo tipo de metal, a corrente não pode passar por você. Eu sou cobre e você não deve permanecer pedra.”
Esta citação é de Sheikh Nazim Al-Haqqani Ar-Rabbani. Extraída do livro: “99 Gotas dos Infinitos Oceanos de Misericórdia”. Está na página 214. A partir desta citação, nós podemos entender um pouco a função de um Sheikh no sufismo. Lembrando que Sheikh no sufismo se refere a mestre. Termos um mestre é uma excelente maneira de empreendermos a Jihad al-akbar (A Grande Guerra Santa), que é aniquilar a influência do ego sobre nós. Aquele discípulo que quer ter mais força nesta jihad, pode se dedicar a Himmah, isto é, ao Serviço Divino.
Se nos colocarmos a meta de sermos os mais parecidos possíveis ao Profeta Muhammad (saas), seguindo a Sunnah [a maneira como era o Profeta (saas)], um mestre sufi irá nos indicar de maneira precisa, através de seu próprio exemplo, como nos adequarmos, em cada área de nossa vida, à Sunnah. Assim, nós sairemos, in Shaa Allah (se Deus quiser) vitoriosos na jihad al-akbar, isto é, venceremos a luta contra nosso ego.
O Alcorão diz: “A aqueles que se esforçaram por nossa causa, nós os guiamos aos nossos caminhos” (29:96). Isto indica que, aquele que está buscando a Verdade, com sinceridade, será guiado a um caminho que lhe possibilite encontrar esta Verdade Última, que é Allah (swt). Aquele que quer mitigar a influência do ego sobre si, para se submeter plenamente a Allah (swt), Ele (swt) o guiará para mais próximo dEle (swt). Quanto mais estivermos seguindo a Vontade de Allah (swt), menos estaremos seguindo a vontade de nosso ego.
Para entendermos melhor, por outra perspectiva, tomemos um Hadith [um dito, um ensinamento]. O Profeta (saas) disse: O mujahid é aquele que faz a jihad contra si mesmo (jahada nafsah) para obedecer a Deus. Este Hadith é encontrado emTirmidhi, Ahmad, Tabarani, Ibn Majah, al-Hakim e Quda`i (4.862). Vários relatores de Hadith mostram que o Profeta (saas) diz que o verdadeiro guerreiro é aquele que empreende uma luta contra si mesmo.
Outro Hadith, relatado por Al-Haythami [muhaddith e teólogo do Islã, especializado em Jurisprudência Islâmica da escola Shâfi’î. Viveu no séc XVI], no capítulo sobre Jihad al-nafs em seu Majma` al-zawa’id, diz: “O forte não é quem vence as pessoas, o forte é quem vence o seu ego” (Ghalaba Nafsah). Sheikh Nazim enfatiza, no texto base acima que estamos estudando, que não adianta a pessoa querer tomar por si só as rédeas de seu próprio ego, sozinho. Segundo o conceito de _Ijtihad_ [esforço de reflexão que os ulemas ou muftis e os juristas muçulmanos empreendem para interpretar os textos fundadores do Islã e deles deduzir o direito islâmico ou informar o fiel sobre a natureza de uma ação], nós, muçulmanos comuns, não podemos derivar por conta própria passagens do Alcorão ou algum Hadith para interpretá-los de acordo com nosso ego. O muçulmano que age assim dirá, a partir de seus caprichos, o que é o Islam e o que é o certo ou errado segundo o Islam. Só que isso não é Islam. Isso é a religião do ego. Por isso os wahabis e salafis estão fora do Sunismo Tradicional, de acordo com os principais Muftis do Sunismo Tradicional, pois eles fazem _Ijtihad_ a partir deles mesmos, isto é, a partir dos seus próprios egos. Isso não é permitido a um muçulmano ortodoxo, ou em outras palavras, a um muçulmano Sunita Tradicional.
As três primeiras gerações de muçulmanos são chamadas de as-Salafu Salihin. Os wahabis e salafis, erroneamente e de maneira hipócrita, advogam um retorno a estas três primeiras gerações. Isso é uma falácia, porque nós temos o Imam Abu Hanifa, Imam Sha’fi, Imam Malik e Imam Hanbali que eram dessas gerações ou foram ensinados por Imames destas gerações e transmitiram exatamente quais regras se deve extrair do Sagrado Qur’an [Alcorão]. O sábio muçulmano [Ulema] que é capaz de extrair uma regra sozinho do Qur’an, do Hadith, ou através da analogia (Qiyas), é chamado Mujtahid Mutlaq. Os últimos Mujtahids Mutlaqs viveram nessas três primeiras gerações ou foram ensinados diretamente por alguém destas gerações. Estes tinham o direito de extrair regras diretamente do Alcorão. Então, vejam o erro dos salafis e wahabis, eles, agora, depois de mais de mil e quatrocentos anos, extraem regras diretamente do Alcorão. Contrariam as orientações dos as-Salafu Salihin, que afirmam ser um erro fazer isso, mas se dizem continuadores deles. É uma grande contradição. Estes grandes Imames citados, fundadores das 4 Escolas de Fiqh Sunita Tradicional eram Mujtahids Mutlaqs. Eles tinham esta autorização. Os wahabis e salafis não podem fazer isso, não têm esta autorização, mas fazem. Eles dizem que determinadas coisas são Haram [proibidas] com base na derivação direta do Alcorão, não encontrando base para tais afirmações nas 4 Escolas de Fiqh. Derivam do Alcorão sem autorização e sem habilidade para isso. O nome disso é Bidah [inovação]. Esse é um desvio grave para o Islam, que o salafismo comete e acusa as demais linhas do Islam de cometerem. O salafismo está modificando o Islam, eles são os reformistas do Islam. E sequer este nome: salafi, é correto se aplicar para eles, pois eles não seguem a geração as-Salafu Salihin.
Então, Shaykh Nazim aponta neste texto base de hoje, que Allah al-MA’JID, Deus O Glorioso, mostra infinita generosidade e munificência para com aqueles que estão perto dEle (swt). Um Sheikh sufi [mestre sufi] está mais próximo dEle (swt), por verdadeiramente seguir as orientações dos as-Salafu Salihin, se submeterem a uma das 4 Escolas de Fiqh [Jurisprudência] do Sunismo Tradicional. Logo, um Sheikh sufi não sai derivando regras do Alcorão diretamente, ao bel prazer de seu ego, como os salafis e wahabis. Logo, o Sheikh sufi está mais próximo à Verdade, à palavra de Allah (swt), à Sua Vontade. É para perto dEle (swt)que um verdadeiro Sheikh sufi encaminha o muçulmano. Temos um estudo sobre a perspectiva da amizade no Islam, que mostra que as pessoas que estão próximas de nós nos influenciam muito, segundo o Profeta (saas). Então, quando estamos próximos de um Sheikh, mestre sufi, este nos mostrará e nos influenciará para os bons exemplos dos Imames Mujtahid Mutlaq. O mestre sufi nos apontará para a verdadeira Sunnah do Profeta (saas). Assim o muçulmano estará se aproximando mais de Allah (swt). Um mestre sufi encaminhará o muçulmano para a Aqidah Ash’ari ou para a Aqidah Maturidi [escolas de crença islâmica]. E encaminhará o muçulmano para uma das 4 escolas de jurisprudência islâmica, encaminhado assim este muçulmano para o Sunismo Tradicional. Se a pessoa não está seguindo uma escola de Aqidah e uma de Fiqh [jurisprudência], então, esta pessoa não é um muçulmano tradicional.
Por isso Sheikh Nazim, que cumpre esta função de encaminhar o muçulmano para uma escola de Aqidah e uma de Fiqh, ressalta que é assim que se aproxima de Allah Al-Ma’jid. Por isso, o Alcorão nos ensina que: “A aqueles que se esforçaram por nossa causa, nós os guiamos aos nossos caminhos” (29:96). Assim seremos mais obedientes a Allah (swt). O Alcorão nos diz, na (25:43) “Não tens reparado em quem toma por divindade os seus desejos?” Nesta passagem Allah (swt) alerta para não seguirmos aqueles que tomam seus desejos como divindades. É o que faz o salafi. Ele toma seu desejo como divindade, quando modifica a palavra de Allah (swt) no Alcorão a partir de seu ego, de seus caprichos. Faz esta derivação direta do Alcorão porque seu ego diz para ele que ele pode fazer. Não tendo nenhuma autorização para isso. Ele, o salafi, toma como Deus seu próprio desejo. E isso é reprovável de acordo com o Alcorão. Ainda no Alcorão (79:40-41), diz: “Mas quanto àquele que temia a posição diante de seu Senhor e restringia a alma do desejo, então de fato o paraíso será o seu refúgio.” Logo, Allah (swt) nos deixa claro aqui que Ele (swt) quer que nós temamos a Ele (swt), que nós O obedeçamos. Tenhamos a Sua Lei como a Lei Absoluta. E restrinjamos os impulsos do ego para alterar esta Lei. Quem não altera esta Lei, a Lei de Allah (swt), como fazem os salafis e wahabis, terá o Paraíso garantido, in Shaa Allah (se Deus quiser).
Abdul Qadir (Curitiba – 02/09/20)
Perguntas e Respostas sobre Sufismo e Islã
Entrevista Sheikh Mehmet Nazim – 30/08/20
Perguntas e respostas sobre Sufismo
Pergunta: Como cultivar a paciência? Como fortalecer nossa conexão com Mawlana?
Sheikh Mehmet Nazim: A paciência é muito importante no Islam. No coração se reconhece e se exalta a paciência. Basicamente é conter o ego, porque para cada ação há uma reação. E a maneira de fazer isto é, antes de passar imediatamente a reação, refrear nosso ego, atuar com tranquilidade e não reagir imediatamente. Hoje em dia isto é um problema porque existe muita impaciência. Todos são impacientes e, quando enfrentamos uma situação, imediatamente reagimos, sem nos conter ou nos resguardar.
Quando você está no bayat com seu sheikh, deve saber que ele está olhando você o tempo todo. Qualquer coisa que faça, deve saber que ele está te olhando. Quando você sabe que seu sheikh está olhando, você faz o que é satisfatório para ele, e não aquilo que satisfaz a você mesmo. Praticar ações que vão agradar e contentar seu sheikh, e deixar de fazer aquelas que ele não aprovaria, é a melhor forma de aumentar a sua conexão com ele.
Pergunta: Qual o significado de uma Dergha na história da Tariqa? Qual é seu objetivo? Como é seu funcionamento? Um conselho para aqueles que tem um Dergha em países onde os códigos do Islam e da Tariqa são desconhecidos para a sociedade.
S.M.N.: A Dergha é o sheikh, em Tasawwuf e na Tariqa; o mais importante é o sheikh, tudo é o sheikh.
Meu avô, Mawlana Sheikh Nazim, no princípio era um dervixe que viajava ao redor do mundo e nunca teve uma Dergha quando era jovem. Então, ele era a Dergha em si mesmo. Mais tarde por volta de 1982 e 1983, ele teve a inspiração de ter uma Dergha, e assim construiu uma em Lefke (Chipre).
A Dergha é um lugar onde o sheikh vive. Historicamente vem do Profeta (ASWS), que tinha uma casa ao lado da Mesquita do Profeta (ASWS) Mashid Al Nabawi. Logo atrás havia um lugar chamado Hasawu Sufr. Neste lugar viviam os sahahbas mais pobres, que eram como dervixes. Eles estavam lá tratando de aprender com o Profeta (ASWS), e a palavra sufi vem deles (Sufr). A Dergha vem daí: onde vive o sheikh, onde ele ensina a sua gente a ser muçulmana. Isto foi o que fez meu avô, que designou a certas pessoas que abrissem Derghas em seus países pois, ainda que seja bom ir a Lefke, nem todos podem ir. E assim todos têm a possibilidade de receber este tipo de treinamento onde vivem, com a pessoa que foi designada à eles.
Pergunta: Que dua ou oração nos recomenda para estes tempos, nos momentos em que sentimos dúvidas ou estamos atormentados? O que nos recomenda fazer? Rezar ou recitar?
S.M.N.: Meu avô recomendava que quando alguém começasse qualquer coisa iniciasse dizendo – Bismillahi Rahmani Rahim.
Ele dizia que quando alguém tem que tomar uma decisão, ou realizar uma ação, se tudo se apresentasse fácil e aberto era um sinal de que este era o caminho certo a seguir, pois tudo se apresentara com facilidade. E, ao contrário, quando uma pessoa toma uma decisão, ou quer tomar um caminho que se apresenta com obstáculos, e ela trabalha firme para eliminar estes obstáculos e aparecem outros, e mais outros, quer dizer que há sinais de que essa decisão não é boa. Mesmo se, com muito esforço, a pessoa consegue superar todos os obstáculos até chegar ao objetivo que havia estabelecido no início, ainda assim esta situação não é boa para nós. Então, as pessoas devem observar, antes de realizar uma ação, por onde ela vai. Em suas observações, se vêem que todas as portas estão abertas, quer dizer que está bem. Mas, ao contrário, se vêem que as coisas se tornam difíceis, significa que todas as portas estão fechadas.
Pergunta: Que ensinamentos poderia compartilhar conosco da experiência e proximidade com grandes mulheres da Tariqa, como são Hajja Amina Adil, Hajja Rukya Sultan e outras mulheres de sua família?
S.M.N.: A mulher é a mestre da casa. Mawlana Sheikh Nazim costumava dizer que, se não fosse por Hajja Amina, ele nunca poderia ter sido tão exitoso auxiliando tanta gente, graças ao seu apoio e à sua ajuda.
Hajja Amina foi, sobretudo, uma grande mãe para seus filhos, que é o papel mais importante da mulher na casa: o de educar bem e de ensinar-lhes adab, boas maneiras, e a religião. Porque o pai não tem tanta habilidade para criar os filhos como a mãe. Um filho que aprende de sua mãe bom comportamento e religião os mantém para o resto de sua vida.
Quando os filhos crescem sem mãe, ou não recebem limites e uma boa educação da parte de sua mãe, terminam sendo crianças que criam problemas e que tem problemas, sendo que aqueles que recebem uma forte presença de sua mãe e são bem educados por ela serão fortes em suas vidas.
In Shaa Allah (se Deus quiser), para as mulheres que estão escutando, que Allah lhes outorgue muito poder e força para que possam dar um bom direcionamento, educar e criar seus filhos.
Pergunta: Qual é o método da Tariqa? O que o sheikh vê em seus murids (seguidores)?
S.M.N.: Tariqa significa caminho, e é o caminho que leva a Allah (swt) Todo Poderoso. O método é levar as pessoas a este objetivo.
Na Tariqa, o trabalho do sheikh é assegurar-se de que seus murids cheguem a Allah Todo Poderoso. É por isto que, para o sheikh, todos os seus murids são muito preciosos. Ele quer que todos os seus seguidores sejam servidores de Allah Todo Poderoso.
Tariqa é um caminho que, para quem o segue com sinceridade e é sincero, leva à estação (estágio ou grau) do Homem Perfeito, Al-Insan Al-Kamil. E esse é o objetivo pelo qual nos querem levar a todos, para que todos cheguemos neste estágio. É um objetivo difícil, mas nosso trabalho é tentar. E, como nosso Profeta (SAWS) disse que nossas ações são de acordo a nossas intenções, nós devemos tentar fazer o caminho com sinceridade para chegar ao nosso destino, e seremos recompensados segundo esta intenção.
Pergunta: O que podemos fazer para deixar ir nossos problemas e expectativas, para que cessem de nos distrair de nossas práticas espirituais?
S.M.N.: Estamos no dunya e Allah Todo Poderoso disse que o dunya vem com dificuldade, com nossos filhos, com nossas privações, com nosso trabalho, e que estas dificuldades são parte de nossa vida mortal. E também são parte de nosso desenvolvimento espiritual.
Se nossos problemas nos causam dificuldades, temos que saber que são parte de nosso desenvolvimento espiritual. Ao enfrentar nossas dificuldades, temos que estar cientes de que estamos lutando contra nosso ego. Se alguém é forte contra seu ego, esta é a maior abertura para seu desenvolvimento espiritual. Não tem que se preocupar se essas coisas entorpecem a sua prática, porque estas coisas vão junto e estão relacionadas. Assim, as pessoas devem colocar em prática os exercícios que seu Sheikh lhes dá — que no geral não são tantos —, e que são suficientes.
Pergunta: Como podemos alcançar a ligação com Allah (swt) através do que gostamos de fazer?
S.M.N.: Allah(swt) está em todos os lugares. Se olhar para todos os lados, poderá ver Allah (swt) Todo-Poderoso em tudo o que vê. Tudo é criação de Allah (swt). É por isso que, em tudo o que olhares, verás Allah (swt). Mas a melhor maneira de se ligar a Allah (swt) Todo-Poderoso é ajudar as pessoas. Allah (swt) ama os servos que servem outros servos. Todos eles são criações de Allah (swt) Todo-Poderoso, por isso Ele ama quem quer que seja servo dessa criação.
O Profeta (pbuh) disse que o melhor povo da sua nação é aquele que é benéfico para os outros. Assim, se alguém for benéfico para outras pessoas ou para a criação, é a melhor forma de se ligar a Allah (swt) Todo-Poderoso
Pergunta: Em relação ao dhikr do coração, como podemos exercê-lo para alcançar uma verdadeira ligação com a presença de Allah (swt) em nossos corações?
S.M.N.: Quando o nosso coração quando bate, diz o dhikr de Allah (swt) o tempo todo. Primeiro começamos com o dhikr com a nossa língua e, à medida que a língua se habituar a fazer o dhikr de Allah (swt), chegará o momento em que encontraremos a ligação entre a língua e o coração, o ritmo do coração. E continua-se à procura dessa ligação até se conhecer o dhikr do coração. Nesse momento, somos capazes de tirar todo o benefício e fazer o dhikr. O momento em que existe essa ligação com o ritmo cardíaco é o melhor momento para fazer o dhikr silencioso e tirar o máximo proveito dele.
Pergunta: Como podemos ajudar alguém que está longe da fé a acreditar novamente em Allah (swt)?
S.M.N.: Todas as pessoas têm bons atributos. O meu avô, Mawlana Sheikh Nazim, disse-me para procurar bons atributos nas pessoas. Mesmo numa pessoa má é preciso procurar o que há de bom. E nas pessoas que estão longe, é preciso procurar os atributos que são bons nelas. E, através destes bons atributos, inshallah elas podem ser atraídos pela crença.
Pergunta: Seu avô recomendou viver uma vida mais calma, indo para o campo. Contudo, às vezes a nossa subsistência e a nossa família estão na cidade, e as nossas atividades de trabalho são mais num escritório ou ligadas ao comércio do que ligadas à agricultura. O que nos recomendaria para conseguirmos uma vida mais pacífica, mais próxima dos ensinamentos do nosso sheikh?
S.M.N.: Mawlana Sheikh Nazim disse que as pessoas deviam ligar-se a uma vida simples e recomendou a algumas que fossem viver no campo. Mas as que viviam na cidade não foram forçadas a sair de lá. O que ele recomendou é que se o seu trabalho, as suas atitudes e o seu sustento estão na cidade, de alguma forma você deve estar ligado à vida simples e à vida no campo. Para ter um “escape” para onde ir de vez em quando — não o tempo todo —, para se ligar à natureza e a esse tipo de vida. Isso seria suficiente para se conseguir uma vida mais pacífica. Nós fomos criados do barro. A natureza do ser humano é estar perto da terra, e a vida nas cidades o impede. É por isso que é tão importante manter contato com a terra. Porque esta conexão nos faz bem tanto física quanto espiritualmente. É por isso que Mawlana Sheikh Nazim recomendou isto.
Pergunta: Para muitos de nós, o fato de estarmos em Tariqa é um evento milagroso, algo que mudou nossos corações. Como isso pode ser transmitido e compartilhado com pessoas queridas e próximas que têm ausência de herança cultural das verdadeiras práticas religiosas, e têm um muro de preconceitos sobre as palavras religião e fé?
S.M.N: Estar em Tariqa e estar neste caminho é um grande presente de Allah Todo-Poderoso para o povo. E as pessoas que procuram a orientação do Awliy Allah (os santos) sempre as encontrarão. E quanto às pessoas ao nosso redor que têm esses preconceitos, o que temos que fazer é convencê-las a buscar orientação, a buscar sua própria orientação. E isso não significa tentar promover o caminho Naqshbandi, para que eles o adotem, mas dizer-lhes que, assim como nós encontramos orientação desta forma, eles devem buscar a orientação da maneira que ela se manifestar para eles. E, se a Allah Todo Poderoso se convencem de pedir esta orientação, Allah a concederá a eles.
Nosso caminho está sempre aberto e estamos sempre disponíveis para receber qualquer pessoa que venha a ele. Não forçamos ninguém a seguir nosso caminho; quem quer que queira entrar, nós recebemos e estamos sempre prontos para receber.
Pergunta: Qual é a melhor maneira de melhorar ou refinar o rabitat com Mawlana? Como esta conexão pode ser desenvolvida?
S.M.N.: Como dissemos antes, temos que saber que nosso sheikh está conosco o tempo todo. Para melhorar a conexão com ele, é preciso fazer as coisas que nosso sheikh gosta. E quando se faz isso indo contra o que nosso ego gosta de fazer, a conexão se torna cada vez mais forte.
Pergunta: Nosso pequeno mas crescente yammat está pensando em se mudar para algum povoado ou cidade que não seja a Cidade do México. Pedimos permissão e duas para isso. Qual é o seu conselho? Uma cidade pequena, uma vila ou diretamente na zona rural?
S.M.N.: Neste momento, a melhor coisa é começar com um cidade pequena, nas áreas mais afastadas, na zona rural. Eles têm o apoio e as bênçãos para o que estão fazendo.
Pergunta: Você pode falar sobre a conexão Uwaysi e como ela funciona com o Mestre?
S.M.N.: Tenho que começar explicando que a conexão Uwaysi está relacionada com Uwaysi Al Karani. Ele não era um sahaba, ele não viu diretamente o Profeta (saws), mas conheceu seus companheiros. Uways Al Karani, apesar de não ter visto fisicamente o Profeta (saws), tinha uma conexão espiritual muito forte com ele. Ele sempre quis ir conhecer o Profeta (saws), mas sua mãe era muito idosa e ele tinha que tomar conta dela. Assim, ele nunca pôde deixar sua mãe e ir ao encontro do Profeta (saws). O Profeta (saws) mencionou a seus companheiros que havia no Iêmen alguém que estava muito ligado a ele, e seus companheiros lhe perguntaram: se ele está tão ligado a você, como é que nunca veio? E o Profeta (saws) respondeu: ele não veio porque está seguindo minha ordem de cuidar de sua mãe.
Um dia, ele pediu a permissão de sua mãe para ir visitar o Profeta (saws) e sua mãe disse que sim, mas que ele só poderia ir à casa dele. Se ele estivesse lá, ele poderia vê-lo, mas se não estivesse ele deveria voltar imediatamente. Uwaysi Al Karani aceitou sob essas condições. Então, ele chegou à casa do Profeta (saws) e Aisha responde à porta. Ele lhe diz que veio visitar o Profeta (saws). Aisha diz a ele que o Profeta (saws) não está lá, que ele está orando e que chegará mais tarde. Uwaysi al Karani então diz: por favor dê meus cumprimentos ao Profeta (saws), minha permissão é apenas para vir aqui. Ele deixou seus cumprimentos e teve que voltar. Depois de um tempo, o Profeta (saws) voltou para sua casa e quando olhou para a porta viu que havia luz, então perguntou a Aisha quem tinha vindo e ela lhe respondeu: era uma pessoa que parecia muito pobre, que perguntou pelo senhor, pediu para deixar suas saudações e depois se foi. O Profeta (saws) ficou muito feliz: “esse era Uways Al Karani, é um homem santo e está espiritualmente ligado a mim”, disse.
Portanto, a conexão Uwasy é a conexão de um Sheikh com uma pessoa através dos sonhos ou do mundo espiritual, mas não fisicamente, isto é a conexão Uwasy. Há certos Awliy Allah que nunca estiveram com seu sheikh, talvez por cem anos, e através dos sonhos e do mundo espiritual receberam permissão para transmitir os segredos do Tariqa. A isso se chama conexão Uwasy.
Pergunta: Que conselho pode dar a aqueles de nós que são solteiros e pretendem se casar, mas não conseguem encontrar a pessoa certa, além da paciência?
S.M.N.: Você não precisa ser tão exigente, e deve olhar para as coisas boas que as pessoas ao seu redor têm. Meu avô aconselhava as pessoas a fazer dois rakats entre maghrib e isha, e fazer um dua para que a pessoa certa apareça. Espiritualmente, podem fazer isso para encontrar a pessoa. Inshallah vamos fazer dua para que os homens encontrem boas esposas e as mulheres encontrem bons maridos.
Pergunta: O que se pode fazer ou recitar quando temos os caminhos tão fechados?
S.M.N.: Meu avô costumava dizer para recitar Bismillahi Rahmani Rahin antes de tudo para que houvesse uma abertura, e nos últimos dois anos, Mawlana Sheikh Nazin insistiu muito em dizer Bismillahi Rahmani Rahin em tudo o que se faz, de maneira a conseguir uma abertura.
Pessoalmente, costumo dizer que, quando as pessoas estão iradas ou têm muita raiva, todas as portas estão sempre fechadas para elas. Por isso é preciso viver mais relaxado. Meu avô costumava dizer que as pessoas devem ser como a água – quando você é como a água, consegue fluir e encontrar o caminho para poder passar. Devemos ser mais como a água, e não com tanta raiva, porque o que a raiva e a energia negativa fazem é fechar todas as portas para nós.
Pergunta: É possível obter a iniciação Sufi à distância por meio de tecnologia, vídeo-chamada? Isto é contra a tradição, o modernismo?
S.M.N.: O importante, a primeira coisa que se deve fazer é aceitar o Sheikh Mehmet como seu sheikh no coração e aceitar o bayat em seu coração. Esta é a primeira coisa. Depois, quando o contato físico for possível, se pode fazer o bayat em presença física.
Hoje, dada a situação que estamos vivendo, é possível fazê-lo por meio de uma chamada de vídeo, mas tendo em mente que o mais importante é ter o Sheikh Mehmet no coração. E, quando tiver que fazer isso por uma chamada de vídeo, você tem que colocar a intenção de fazer o bayat com o Sheikh quando tiver a possibilidade de vê-lo pessoalmente. Salams para os irmãos da Venezuela.
Pergunta: O que é caridade para o homem, seu significado mais profundo? Ela traz o conceito do homem receber algo que ele não ganhou. O Profeta (saws) nunca comeu de caridade, então, o que é caridade?
S.M.N.: Caridade é sadaka. O Profeta (saws) aceitou presentes, mas nunca aceitou sadaka. E a caridade ou sadaka é destinada às pessoas mais pobres.
Embora o Profeta (saws) fosse financeiramente pobre por causa de sua estação e sua majestade, não era aceitável que ele recebesse tal caridade. A sadaka é dada para ajudar alguém, e o Profeta (saws) não precisava da ajuda de ninguém, não se pode ajudar o Profeta (saws). Mas se podia dar presentes a ele por amor e por todo o apreço que se tinha por ele, e ele aceitou esses presentes. Essa é a sabedoria pela qual ele não aceitou a caridade ou sadaka.
Pergunta: Com relação à educação das crianças, no caso de serem abandonadas pela mãe, elas podem aceitar os ensinamentos da avó ou o dano é permanente?
S.M.N.: Sim, é claro. A avó também é mãe e tem experiência, então, se não podem ser criadas pela mãe, é um bom substituto que sejam criadas por sua avó.
Pergunta: De acordo com nossa Tariqa e guia abençoada, existe um período de tempo recomendado para que nossas irmãs latino-americanas convertidas, geralmente mães, que trabalham no ocidente não islâmico, possam conhecer seu possível esposo muçulmano e decidir comprometer-se. É recomendado algum templo específico para decidirem se casar?
S.M.N.: Meu avô geralmente fazia nika, concessões, mas quando há concessões a idéia é que elas não devem ser longas, mas sim curtas. Entre seis meses e um ano é suficiente, mas não mais do que um ano.
Pergunta: Vamos ser pais pela terceira vez e queríamos perguntar se um nome para nosso filho é possível.
S.M.N.: Você pode chamá-lo de Mahmud. Que Allah faça com que o parto seja fácil para ela.
Pergunta: Qual é a melhor coisa que podemos fazer para que nossos filhos pequenos atravessem as dificuldades desses tempos?
S.M.N.: Estes são tempos difíceis, especialmente para as crianças. Os pais devem ser muito claros com seus filhos e apoiá-los muito, e tentar evitar que eles recebam muitas notícias externas porque são tempos de muita confusão. Há um vírus, disso não há dúvida, mas há muito exagero por trás de tudo isso. Não há problema em se preocupar e ter cuidado, mas se você exagerar nestas coisas, isso pode nos prejudicar e trazer confusão. Não devemos perder nossa humanidade, pois o que eles estão tentando impor é que nós percamos nossa humanidade.
Temos nosso sheikh, ele está cuidando de nós. Portanto, não devemos nos preocupar ou ter medo, porque o que vier será de Allah Todo-Poderoso. Aconselho vocês a terem fé, em vez de medo.
Muito obrigado, eu senti que estávamos realmente todos juntos. Obrigado pelas perguntas que fizeram. Inshallah vamos organizar outra conversa para o próximo mês. Feliz Muharran e feliz Ashura. Bênçãos e felicidade para todos em suas vidas, inshallah.